É particularmente desafiador falar do desempenho da seleção brasileira feminina na Copa do Mundo, disputada no Canadá com a absurda grama sintética. Os parâmetros quase não existem, o futebol das garotas não passa na tevê todo dia e toda hora, você não tem um ponto de partida muito claro ou um passado recente que seja consistente para cravar isso ou aquilo. E Copa é Copa, é diferente das outras competições. Dito isto, vamos lá.
É um Brasil pouco agressivo. Em três partidas, não sofreu gols, marcou quatro e não apertou de verdade nem Coreia do Sul, nem Espanha nem Costa Rica. Se o reflexo do raciocínio lógico te leva a achar que é a Marta que faz o time jogar, esqueça, pois isso não aconteceu nos dois primeiros jogos (foi poupada no terceiro). Marta não é uma dez clássica neste time, nem uma carimbadora de bolas. Atua mais perto do ataque que das volantes, cai pelos lados do campo, e participa menos da criação do que se podia imaginar. Parece se guardar para decidir, ao invés de se desdobrar para criar.
Outro nome que muito se falou (e o “muito” aqui é um exercício de relativização, dada a tão pouca prosa dedicada às meninas) antes do mundial foi o de Andressinha. A prodigiosa garota mal encontra Marta em campo, pois faz um trabalho sujo na cobertura da lateral Fabiana, que muito apoia, e um trabalho necessário na saída de bola, como volante. O miolo do gramado não tem uma nem outra, e destas ausências emerge o nome da veterana e especial Formiga. Sem dificuldade, a melhor do Brasil até aqui. O elo entre os dois setores, a atleta a mais na hora de marcar no ataque (os dois gols da estreia foram por causa disso), a jogadora que preenche espaços atrás, a cabeça que lê o jogo e escolhe o ritmo. Gigante.
Assumindo que a retaguarda foi pouco testada até agora, e ainda assim sofreu bola na trave e pressão da Espanha por alguns minutos, são estes os três nomes que o Brasil precisa ouvir falar para andar: Formiga, Marta, Andressinha. Estes, e mais um: Christiane. Nossa atacante isolada não fez uma boa primeira fase. Pouca ajuda, pouca mobilidade, pouco espaço, não sei, mas está claro que foi insuficiente para o padrão de futebol da camisa 11. Experiente, dá para imaginar um crescimento na hora certa. Será preciso, tão quanto precisamos da Marta mais participativa.
Nas oitavas-de-final, a Austrália, domingo, 14h. Continua difícil enxergar um limite realista para o Brasil, dado o contexto de tão truncado conhecimento dos adversários. Não adianta usar a primeira fase da Copa como verdade, pois, repetindo e gastando a frase boba, Copa é Copa. Uma vitória, a quarta seguida, deixa entre as oito finalistas uma seleção sumariamente sabotada dentro do próprio país. Já me parece algo parecido com missão cumprida. Uma vitória com atuação mais firme irá fazer este que vos escreve romper com a serenidade e sonhar com o título – algo que não acredito ainda.
Descansadas por conta da terceira rodada com time quase todo reserva, dá para ensaiar um discurso otimista. Puxando para o pragmatismo, é necessário dizer que em 270 minutos de bola, o Brasil não colocou toicinho no feijão nem brócolis no arroz. Jogou apenas razoavelmente, fez o básico sem encher os olhos e sem dar certezas maiores. E ninguém tem o direito de pedir isso delas. Na verdade, ninguém tem o direito de exigir coisa alguma deste time quase clandestino, obrigado a usar no fardamento as cinco estrelas dos titulos masculinos, piscando na camisa a mensagem “ei, vocês pegaram emprestado estes uniformes dos homens, devolvam”.
São as pequenas patentes do esporte. Para o diretor da seleção feminina Marco Aurélio Cunha, a patente, a marca estética das garotas, tem a ver com shorts menores, não com estrelas. Estes desaforos que vão magoando e fragilizando, e que nem surpreendem mais a Formiga, vinte anos de casa, a Marta, cinco bolas de ouro, a Andressinha, uma vida sem apoio. Elas desligam disso, deixam de fora e vão para o jogo. Então falemos de jogo, de campo, por enquanto. Quando elas voltarem do Canadá, a gente trata dos tantos destratos.