20 anos não é nada: O Aniversário no choque-rei

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Por Felipe Bigliazzi                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       “Volver… con la frente marchita,

Las nieves del tiempo platearon mi sien…

Sentir… que es un soplo la vida,

Que veinte años no es nada,

Que febril la mirada, errante en las sombras,

Te busca y te nombra.

Vivir… con el alma aferrada

A un dulce recuerdo

Que lloro otra vez… ” Carlos Gardel

Nostálgico como um tango de Gardel. Lento, dramático até a médula, em um ritmo que segue envolvendo uma alma derretida em recordações de aniversários mais alegres e placenteros. Entro no túnel do tempo. Viajo rumo a um 12 de Março de 1995. Na metade da década de 90, a tradição marcava a espera desesperada pela tabela do Campeonato Paulista. Rodada por rodada, adversário por adversário, tudo era meticulosamente apontado numa agenda estirada sob o quarto dos fundos do apartamento 72.

Com todo afã infantil encontramos a data do próximo Choque-Rei: 12 de Março, Palmeiras x São Paulo no Pacaembu. Não poderia haver um presente melhor. Meu aniversário de 11 anos seria comemorando em grande estilo, no estádio, como se deve. Em 1994, também em um 12 de Março, meus colegas da escola armaram uma pelada na rua João Leda em minha homenagem. Um flash inesquecível. Naquela tarde, Juninho Paulista fez um gol maradoniano contra o Mogi Mirim na vitória tricolor por 5 a 2. Queria imita-lo, sonhava estar lá, no entanto seguia de pés descalços e jogando entre os meus .

Seu Manolo, justo e demasiado workaholico, costumava separar apenas um domingo por semestre para levar-nos ao Morumbi.  Quase sempre com o encontro entre os times favoritos de seus dois únicos filhos. Meu irmão Fabio, um palmeirense de ocasião, esquivou-se e deixou de presenciar ao festejo de seu irmão caçula no Paulo Machado de Carvalho.

12 de março

O Morumbi, o palco idílico naqueles anos, seria interditado nos primeiros meses de 1995. Tudo para que colocassem um sistema de molas e amortecedores entre os pilares do Cícero Pompeu de Toledo. Quis o destino que o tricolor mandasse seus dois primeiros jogos do Campeonato Paulista justamente em Santo André, no finado estádio Bruno José Daniel. Era o estopim para mais uma sequência de enfermidade futebolística . Junto ao senhor Mario Bigliazzi, meu avô  – culpado mor por esta paixão em vermelho, preto e branco –  vimos duas vitórias protocolares diante de Novorizontino e Juventus. Bentinho e Juninho seguiam em esplendor naqueles confrontos prévios.

1994 foi duro. Perdemos a Libertadores para o Velez, o Paulista para o Palmeiras, além da derrota sofrida contra o  Guarani de Luizão e Amoroso, em um 4 a 2 que pôs fim a campanha do nacional no Brinco de Ouro.O São Paulo terminou aquele ano com uma ínfima esperança, sintetizada pelo título da Conmebol diante do Peñarol. O Expressinho de Rogério Ceni, Catê, Denilson, Caio e cia trazia um futebol moleque.

O Palmeiras era uma máquina, temida com o cartel e a pompa de um time bicampeão paulista e brasileiro, mas que começava 1995 sem Edmundo, sem Luxemburgo e sem Robério de Ogum. Meu primo Alexandre e o colega Lucas Cavicchioli, que eram palmeirenses – e que eu saiba ainda são – foram meus únicos convidados para a festa. Cruzamos a Avenida do Estado em meio ao Kadett prateado de Don Manolo. O rádio Bosch, modelo San Francisco, trazia a prévia do clássico nas ondas da Jovem Pan.

O Palmeiras, local no Pacaembu, vinha escalado por Valdir Espinosa com Velloso, Índio, Antônio Carlos, Célio Lúcio e Roberto Carlos; Amaral, Mancuso e Flávio Conceição; Paulo Isidoro, Rivaldo e Maurílio. O tricolor tinha o retorno do mestre Telê Santana  após um mês de folga para se recuperar de problemas de saúde. O time foi a campo escalado com Zetti; Claúdio, Nelson, Rogério Pinheiro e André Luis; Alemão, Donizete, Sierra e Palhinha; Juninho e Bentinho.

Era minha primeira visita ao Pacaembu, pelo qual descemos a Rua Paulo Passaláqua, deslumbrados com a beleza do estádio Municipal e seu entorno único. A torcida alviverde era maioria, tomando a Charles Muller com bandeiras de bambú e instrumentos musicais. O futebol era festa, era vida. O mundo girou, e ali, sete meses depois, no mesmo palco e com as mesmas torcidas, o futebol paulista seria sepultado no quesito arquibancada com a famigerada tragédia daquela manha de 20 de Agosto.

Compramos a entrada sem pormenores. 15 reais a numerada. Valor simbolo nos dias atuais. Em campo um Palmeiras superior. Não me lembro de outra ocasião, onde tricolores e palestrinos se enfrentavam com camisetas listradas. Aos 17 minutos, Roberto Carlos acertou um chute maravilhoso, lírico, que entrou no ângulo de Zetti. Golaço tremendo. Dos mais bonitos visto in loco. No final do primeiro tempo, Paulo Isidoro se aproveitaria da bobeada da zaga tricolor para endossar a vantagem palestrina. https://www.youtube.com/watch?v=B0Oo2VqKJUU

Alexandre e Lucas se divertiam às minhas custas. A torcida palmeirense estava linda, ocupando todo o setor local. Os tricolores, também em bom número, faziam o espetáculo colorido do Tobogã. 23 mil pagantes, algo impensado em uma quinta rodada de Paulistão. O tricolor diminuiria com um penal convertido pelo lateral André Luiz. Seu Manolo, santista de coração e amante de Telê, da seleção de 82 e do bom futebol,  puxou o carro antes do final do cotejo.

Era a hora de partir e apagar as velas em Santo André.Saímos com o coração partido e a alegria de viver um aniversário visceral, em grande estilo, de tempos que deveriam parar, eternizar-se como o futebol e a paixão paterna. A revanche viria apenas em 2000. Também um 12 de Março e novamente um 2 a 1. Uma vitória tricolor com dois gols de Edu pelo Paulistão. Estava feliz, ouvindo no rádio, sob as cobertas e repleto de caricias. Um rosto cheio de espinhas e uma nova paixão que se chamava Carol.

 

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