Na pranchetinha do Censo do IBGE, Adriano Leite Ribeiro provavelmente seria marcado como pardo. Seria a primeira sutileza infame de seu formulário. Microondas, televisões, geladeiras, quantos carros, escolaridade, casa própria, bens, profissão, alfabetizado? Adriano acharia um porre responder a tudo isso depois de um porre de rabo de galo lá no boteco do Nicolas na noite anterior.
Hoje Imperador, Adriano é a festa. Vamos melhorar o parágrafo: é a festa dos brancos, a despeito de sua aparente dificuldade em encontrar liberdade e paz. No caso, já que Adriano fugiu dos carimbos do IBGE, a festa das canetadas, virtuais, impressas ou assobiadas, das redações preconceituosas e, tadinhas, necessitadas de resultado bombástico naquela terça-feira modorrenta em que a entrevista sem sal do Fernando Prass é a maior novidade.
Como é fácil jogar pedra no Adriano, que de santo nada tem. Quem o apresentou aos diabos da vida? Já não importa. O quase ex-jogador tinha tudo para ter enlouquecido com tanto dinheiro, fama e pouca instrução educacional. Poderia ser, hoje, um perturbado mental do naipe do David Luiz, mostrando a língua compulsivamente nas redes sociais e dando rolê com apresentador de televisão. Como o mundo está do avesso, o nariz torce e a testa franze é para quem faz o óbvio, e ele faz.
Na última semana, bomba: Adriano foi ao motel com 18 mulheres e 60 mil Reais em espécie na bolsa. Notícia! Se já é tecla batida e desgastada que não se põe o bedelho na vida pessoal de ninguém, pouco se ouvem as notas musicais da resenha preconceituosa, e, sinceramente, pode nem ser só por preconceito, e sim por necessidade de fazer resenha com a fama alheia, o personagem criado ao redor de um desajustado. É espantoso um rapaz portar tanto dinheiro e permitir-se uma orgia, a quem quer que isso pareça espantoso. Da polpa do estilo de vida insinuado encontram-se vestígios cínicos de cocaína e pólvora, estas coisas de bandido que muito mauricinho adora e muito jornalista comemora, ao menos pelos cliques.
O futebol, rendido ao poder econômico, proporciona o enriquecimento de quem jamais enriqueceria honestamente de outra forma. Contudo, o ranço de quem olha às vezes parece o mesmo. Adriano é tratado como um bicheiro, um sujeito do mal, ou, nos casos mais hipócritas, é considerado alguém que “jogou a carreira fora”. Ele tem, hoje, 33 anos. Surgiu para o futebol no fim dos anos 90, foi campeão brasileiro no time do coração e conheceu a Europa, onde fez sua fortuna. A raiva que essa gente tem do Adriano é desejo oculto de ter a mesma fortuna? De conhecer a Europa? De ter algo no coração? Quando ele joga dinheiro fora, é como se tivesse blasfemado, xingado Deus? Ele joga mesmo dinheiro fora?
Adriano parou de dançar na hora que ele quis. Usou o mercado do futebol a seu favor. Quando saiu de cena, deixou de enriquecer muito parasita. Sofreu bastante, presumo, com esta pressão, mas nada comparado, presumo outra vez, com a pressão dos próprios demônios de uma vida que desaprendeu, em alguma altura ou cidade, o caminho da felicidade. Para buscar isso, ele sacrificou uma Copa do Mundo e alguns aninhos a mais de bola: coisa pouca para um simples rapaz pardo que dificilmente teria alguma coisa do mundo em outra chance de encarnação com as mesmas circunstâncias.
Desta última notícia, só me preocupo mesmo com a opção sexual das 18 garotas que foram ao quarto com Adriano. Detesto ociosidade entre quatro paredes.