Por Victor Faria
Andrée, sei que há muito não nos falamos, mas as lembranças de sua estadia ainda ecoam como um infinito labirinto de memória. Espero que a mudança de Paris para Barcelona tenha lhe feito bem, que os novos ares renovem seus gostos e sentidos. Ainda acredito que os bons ventos a tragam novamente, dia desses em setembro qualquer, a Buenos Aires.
Não lhe contatara antes, não acredite que por deslealdade, mas naturalmente a gente não vai ficar explicando a todos que, de quando em quando, se vomita um coelhinho. Repare, querida Andrée, que até então eu pensara ser aquele um caso isolado, sessenta e quatro anos depois da passagem dos primeiros colegiais.
Mesmo achando que este mal súbito não é razão para não viver, não é razão para deixar de correr, driblar, ou até de marcar um gol. Tudo é rápido e higiênico. Genial e impossível. Agora percebo que pode suceder a qualquer um, a qualquer hóspede que em Calle Suipacha pernoitar. Também sei Andrée da presença de Lionel Messi, há 4 anos, naquele mesmo apartamento. Presumo que acreditava que a reforma poderia transformar o lugar. Depois de tantos anos. Quem ousaria desacreditar?
Minha suspeita se tornou maior em decorrência de um telefonema da Sra. de Molina. Certamente ela se recorda do estranho hobby de Julio Cortázar e quis me alertar sobre o nascimento de novos e minúsculos coelhos, ali, entre o 1º e o 2º andar do apartamento da capital argentina. Acredito que somente a lembrança de uma penugem branca já a deixe com calafrios.
Comecei a acompanhar religiosamente a equipe catalã a fim de resolver este enigma cortazariano. A primeira vez que percebi o jogador vomitando coelhinhos ainda em campo, hábito diferente ao de Julio que retirava as pequenas criaturas com a ajuda de uma pinça, fora num jogo contra o rival Real Madrid. Os enjoos começaram minutos antes do apito inicial, mas somente aos 45 da primeira etapa que o pequeno coelho pode enfim desfrutar de sua liberdade e cair no gramado sem que ninguém notasse.
Em absoluto espanto, Messi correu atrás da branca criatura que por ventura escapou de Khedira e Pepe, e antes que pudesse chegar nas mãos de Casillas fora resgatado pelo craque argentino em enérgica disparada. Simultâneo ao lance, gol do Barça, e por isso foram poucos os que repararam no resgate do animal.
Em novo jogo, no ano seguinte, o episódio se repetia contra o Sevilla. Noutro ano com a Real Sociedad, Athletic Bilbao e assim por diante com Villareal e Levante. Aparentemente o cheiro da grama despertava nos coelhinhos espírito esportivo.
Confesso, Andrée, que estranhava apenas os jogos de Messi com a albiceleste. Apesar da coerência em cena, do enjoo prévio ao lance inaugural, em meio ao jogo os coelhos não surgiam, não fugiam nem se rebelavam em direção ao gol adversário. Era possível ver o abatimento do craque, eram jogos em que não marcava, em que sua presença era pouco notada.
Alguns cronistas esportivos ainda quiseram sugerir que a altitude de La Paz impossibilitara o desfecho habitual, que o ar rarefeito tivesse de algum modo feito efeito. Mas como explicar os jogos contra Romênia e Alemanha?
Mas não por isso somente escrevo. Me preocupa algo além dos coelhinhos. Parece-me justo informar o tal doutor Giuliano Poser, responsável pela alimentação dos culés, a razão estomacal de Lionel Messi. Que não é necessária a visita do jogador à clínica em Porderone. Basta somente que o craque pare de se hospedar em Calle Suipacha.
E que se for desejo do jogador permanecer com os coelhos, que estes não sejam mais que dez, pois do dez ao onze há como um vazio insuperável. Porque dizer onze é certamente dizer doze, Andrée, doze que será treze.
Então está o amanhecer e uma fria solidão na qual cabem a alegria, as recordações, você, Cortázar, Messi e talvez tantos outros mais.