Tem algo acontecendo do outro lado da cordilheira

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Por Léo Lepri

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Chile. Há algo realmente importante acontecendo do outro lado da cordilheira e o caro leitor não pode ficar indiferente.

Por isso, vejamos.

Desde 2012, época do governo de Sebastián Piñera, o país vem fazendo um esforço sobrenatural para acabar com a magia da festa popular no futebol local. E a pior notícia é que eles estão quase conseguindo. Para o final daquele ano, entrou em ação o tal Plan Estadio Seguro que, em linhas gerais, proibiu papéis picados, instrumentos musicais, bandeiras, faixas e guarda-chuvas muito antes da Conmebol parir essa tenebrosa ideia para ser empregada como modus operandi na Copa Libertadores. Inclusive aqueles torcedores que ainda insistem em RESISTIR, permanecendo em pé durante os jogos, já se tornaram alvos do programa que se diz em uma cruzada para erradicar a violência nos estádios chilenos.

Segundo o antropólogo Simón Sierralta, em artigo publicado no dia quatro deste mês no portal El Desconcierto, nada indica que tais objetos estejam diretamente vinculados aos atos violentos. Seria uma espécie de medida meramente punitiva, e não educativa. “Se o objetivo fosse, como declaram, exclusivamente acabar com os episódios de violência associados às barras bravas, qualquer plano deveria considerar os aspectos idiossincráticos não violentos das torcidas, como as bandeiras, os bumbos e a pirotecnia, conservando e eliminando os mesmo dos elementos problemáticos. Porque nada vincula, evidentemente, o ato de acender um sinalizador a ações como o assassinato de um torcedor ou a vandalizar os recintos desportivos”, escreveu.

Só que nesse tremendo balaio de gato proibitivo, que não distinguiu cara e nem coração, acabou sobrando para gente com muita história nos tablones por lá. A famosa “Bandita de Magallanes”, formada por simpáticos senhores e sempre marcando presença alentando durante as partidas do Club Deportivo Magallanes, da segunda divisão, é um claro exemplo. Ela foi expressamente proibida de ingressar no estádio do clube onde tantas outras vezes se acostumou a frequentar. O caso gerou tanta polêmica que o governo precisou voltar atrás na decisão e se desculpar publicamente. A vergonha era tamanha, que o oficialismo reconheceu o valor cultural da bandinha outorgando uma distinção com selo UNESCO.

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Para Sierralta, o componente autoritário do programa Estadio Seguro é reflexo de uma decisão unilateral de setores políticos e da cartolagem que pretendem regulamentar a forma como os chilenos devem viver o futebol. “Em termos gerais, o que está sendo feito é um desnudar muito claro do projeto atual das diretorias políticas e das sociedades anônimas do futebol: a marginalização dos sujeitos populares que possuem uma forma particular de viver o futebol, que não condiz com as expectativas de controle das classes dominantes”, escreveu o antropólogo.

Mas o caso da Bandita de Magallanes é único. E este era o ponto onde eu queria chegar. As grandes torcidas do país, dos times de maior repercussão, continuam impedidas de se manifestarem livremente na popular. Mas, para nossa sorte,elas não costumam respeitaresse veto.

Atualmente no olho da tormenta, figura a principal barra da Universidad de Chile: o Movimiento Los de Abajo. Durante a primeira partida da equipe nesta edição da Libertadores, a torcida acendeu sinalizadores e se deixou ver com um bumbo pulsando bem no coração da torcida. Agora, os dirigentes da Azul Azul S.A. (sociedade anônima que controla o clube desde 2007) temem qualquer fax, SMS, bip, sinal de fumaça, pombo-correio ou um simples e-mail que chegue da sede da Conmebol.

O outro golpe na mesa, desferido como uma real demonstração de resistência, veio apenas algumas semanas atrás. Proibidos de acompanhar o time em partidas fora de casa em função do uso de sinalizadores na edição passada da Libertadores, os hinchas de La Uteoricamente não poderiam ter vindo ao Brasil para assistir o jogo contra o Internacional. Teoricamente…

Com a Garra Blanca, barra do Colo Colo, a história não é lá muito diferente. Eles também estão proibidos de tudo aquilo que habitualmente fizeram ao longo dos anos. Mas isso tampouco foi o suficiente para silenciar uma torcida Mapuche com destacado histórico na luta em prol dos direitos dos povos originários, como tão bem retrata, entre outras coisas, o documentário Raza Brava.

Na partida contra o Atlético-MG, estreia do clube na principal competição do continente, a torcida aproveitou a audiência de uma cobertura internacional e estendeu a faixa “En $hile se asesina al Mapuche”, assim, com cifrão mesmo, bem no centro do campo, e nítida o suficiente para um cego enxerga-la.

Pelo campeonato chileno, no final de semana seguinte, mandou seu recado para os homens fortes da Blanco y Negro S.A.(outra sociedade anônima que gerencia os rumos de um grande do Chile desde 2005): “Sin fiesta no hay Copa America”, rezava o trapo. A Blanco y Negro queria apagar alguns murais feitos pela torcida e que enfeitam os muros do estádio Monumental. Tudo isso, é claro, para deixar a casa devidamente enfeitada seguindo o tal padrão FIFA.

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Pobres dirigentes. Sabem tão pouco de futebol. Preferem emoldurar o turista-torcedor que for ao Chile para assistir a Copa América em um quadro com fundo colorido e abstrato, como estes que são utilizados a cada quatro anos durante a Copa do Mundo FIFA. Fica a pergunta: Qual torcedor não quer realmente se sentir em outro país, assimilando parte de sua cultura ao caminhar admirando os feitos de um clube local, repleto de histórias, pintados no muro do estádio? Isso, amigo, é sentir o futebol em estado puro, correndo pelas veias mesmo que não seja pelo time de coração.

O jogo em questão foi contra o Palestino, equipe que a torcida do Colo Colo já havia apoiado durante uma partida no ano passado. Eles exibiram uma faixa simples, com apenas uma única palavra, mas dona de um significado enorme: RESISTE, com uma bandeira palestina acompanhando o pedido.

Ou seja, há um claro foco de resistência por parte destas hinchadas ao plano arbitrário do governo e ao conceito que foi sendo adquirido através desse maldito “raio gourmetizador”, que destrói ou encarece tudo aquilo que atinge, principalmente no futebol.

Para Nicolás Vidal, editor da excelente revista De Cabeza, as normas do Estadio Seguro são mais “de efeito do que efetivas”. Ele condena aquilo que classificou como “uma tentativa de se transformar o estádio em um cinema, algo que não pode ser feito porque vai contra à essência do futebol sul-americano”. Eele tem razão. Quais medidas concretas foram adotadas para acabar com a violência nos estádios? Quantos condenados? “É violência tocar um bumbo? Ou então o canto de uma torcida?” questiona.

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Mas ainda há um outro ator influente em toda essa história. As sociedades anônimas (SADP) que começaram a aparecer com mais intensidade no futebol chileno a partir de 2002, depois da quebra do Colo Colo. Aquilo que antes era controlado por corporações de direito público, sem fins de lucro, passou a ser controlado por conglomerados empresariais.

O ex-presidente do Colo Colo à época da quebra, Peter Dragicevic, sintetizou tempos depois: “O futebol é visto como um elemento de consumo, que serve a uma funcionalidade, e toda a parte emotiva, os sentimentos das pessoas são postergados”.

Sobre as SADP, Nico destaca; “Se prestam para a utilização dos clubes por parte de milionários com ganas de figuração. O caso do ex-presidente Sebastián Piñera é emblemático. Era um reconhecido torcedor da Universidad Católica e de um momento para outro, comprou o controle do Colo Colo e utilizou isso como plataforma política para suas aspirações presidenciais. Mas também há que se reconhecer que muitos dos dirigentes das SADP são torcedores de verdade, gente muito fanática e que quer o bem do clube. E também há maiores possibilidades de fiscalização por parte da autoridade, a mesma que, desafortunadamente, não se exerceu com efetividade até agora”.

Mas como falar de resistência sem mencionar esse empolgante Palestino? A hinchada da equipe de La Cisterna deu mais uma demonstração de que as torcidas chilenas não irão perecer nessa queda de braço com o plano governamental. Na partida de estreia do time na Libertadores contra o Boca Jrs, painéis, cada um com uma letra, formaram as sentenças: “No más ocupación” e “Palestina Libre”.

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“Os fatos violentos, ou resistência, se mantiveram constantes ao longo do tempo. Desde que o Estadio Seguro começou com normas ridículas, muitos torcedores têm protestado. Entre eles, torcedores pacíficos que apenas vão assistir uma partida de futebol, e também delinquentes disfarçados de torcedores. Entretanto, os últimos atos de resistência de agora têm se limitado a acender sinalizadores nos jogos, e isso tem contado com o repúdio da maioria dos espectadores, mas não porque eles apoiem essas medidas do plano Estadio Seguro, mas porque não querem que o clube seja sancionado”, contou Nicolás Vidal em entrevista realizada via e-mail.

Em resumo, qualquer plano com vistas a acabar com a violência nos estádios deve ser elaborado incluindo– e não marginalizando –a participação de todos os atores que serão afetados, portanto, as torcidas dos clubes. Não ouvir o que tem a dizer quem está todos os domingos na popular já é uma forma de ditadura mascarada.

Como bem disse o próprio técnico da seleção chilena de futebol, Jorge Sampaoli; “Algum dia ainda vamos terminar jogando em uma igreja”.

E eu acho que isso vai acontecer já na próxima Copa América.

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