Eu sou corintiano.
Nasci e morrerei carregando esse fardo e sentindo as dores e delícias de ser o que sou. Não me importa que os ingressos dos jogos do São Paulo sejam mais baratos, não me interessa que as camisas do Santos sejam mais bonitas, ajo com indiferença ao belo futebol apresentado pelo Palmeiras neste ano.
Toda a minha devoção e o meu dinheiro serão sempre direcionados ao Corinthians. Essa é a principal premissa equivocada que os defensores do lema: “futebol é negócio” não percebem. Se futebol é negócio, ele é mais próximo de um mercado monopolizado. As minhas opções são basicamente gastar dinheiro ou não no Corinthians, mas jamais me seduzir por um concorrente ainda que a “oferta” possa ser melhor.
Posto isso, pelo meu distanciamento recente do time que se deu mais por uma questão de filosofia do que pelos resultados em campo, passei a me envolver levemente com outros times. Hoje em dia me permito aproveitar uma bela tarde de domingo na rua Javari por acreditar que aquilo representa um futebol mais vivo e próximo, mais em linha com os valores que eu acredito e defendo.
Nessa jornada de descobrimento, me deparei com o Avaí. Mas o que o Leão da Ressacada de Santa Catarina fez para me cativar?
Posição Oficial da diretoria sobre a venda de mando de campo
Na semana passada, a diretoria do Avaí tomou uma posição que repercutiu intensamente nas redes sociais. O clube assumiu abertamente ter recebido uma proposta de 700 mil reais para mandar um jogo decisivo contra o Fluminense no Mané Garrincha, em Brasília. A atitude representa que o Avaí deixará de receber em torno de 450 mil reais ao escolher a sua Ressacada como palco para a decisão.
Esportivamente, vender um mando de campo é algo muito sério. Na prática, a sua diretoria está diminuindo consideravelmente as chances de vencer a partida e ainda gerando prejuízos financeiros e de engajamento com o torcedor. Afinal, se “torcedor é consumidor” como um consumidor exigente reagirá sabendo que sempre que o seu time tiver um jogo importante, ele terá que se deslocar para qualquer canto longínquo do Brasil para assistir a partida? O futebol é um jogo global, mas de raízes locais.
Os clubes tem que pagar contas no final do mês, mas o objetivo final sempre deve ser ganhar torneios e estabelecer um relacionamento emocional com o seu torcedor.
Parece que faz séculos, mas no ano de 2012, Santos e Corinthians se enfrentaram em um jogo decisivo pela Libertadores da América. Na época, especulou-se a possibilidade das equipes jogarem duas partidas no Morumbi o que geraria uma renda muito maior para ambos. Os dois presidentes rechaçaram a ideia argumentando que o valor simbólico e esportivo que o Pacaembu tinha para o Corinthians e a Vila Belmiro tem para o Santos valem mais do que a renda excedente que poderia ser gerada pelo Morumbi.
No limite, sempre podemos dizer que os clubes menores precisam utilizar esse recurso para pagar suas contas, mas faço algumas ressalvas:
Diversos clubes de série A também têm se valido frequentemente desse expediente. Eles também realmente precisam de cada centavo possível?
Até pouco tempo, os clubes não vendiam mando e sobreviviam. As diretorias querem esse dinheiro extra para sobreviver, para deixar o time mais competitivo ou para roubar mais?
Vale a pena manter um time moribundo se ele nem pode mandar jogos decisivos em seus domínios respeitando minimamente a competição, sua história, seus valores e seus torcedores?
São perguntas para refletirmos e enquanto você pensa sobre isso, aproveito a oportunidade para falar de mais uma atitude interessante da diretoria do Avaí.
Homenagem aos Haitianos que vivem no Brasil
Quando digo que o futebol tem um papel social importante, me sinto com um velho anacrônico. O papel social que defendo muitas vezes representa uma barreira para frente a possibilidade de ganhar mais dinheiro e portanto um erro de gestão. Ainda que esse dinheiro possa ser usado para pagar um salário de 300 mil reais por um lateral esquerdo mediano ou 450 mil reais por um jogador que se destacou em um time de menor expressão, as pessoas de hoje preferem defender que o clube precisa ganhar dinheiro a qualquer custo a exigir que as diretorias tomem atitudes mais responsáveis e planejadas.
A prostituição dos uniformes, que outrora eram chamados de mantos sagrados, é uma realidade e nos acostumamos a ver a vestimenta mais adorada do nosso guarda-roupas entupida com mensagens de patrocinadores. Se as mensagens dos patrocinadores são uma realidade que eu tenho que aturar, ainda me incomodo com a falta de iniciativa das diretorias para criar ações legais utilizando esse “espaço premium”.
Recentemente, o Avaí decidiu adotar a causa Haitiana no Brasil. A diretoria fez um filme mostrando a dura realidade dos haitianos no país, os convidou para assistir uma partida do time (na Ressacada claro!) e para surpresa geral, estampou uma mensagem direcionada à eles no lugar da cota-master do seu uniforme: linyon, que significa união em crioulo.
Não estou sugerindo que TODOS os clubes deixem de exibir o logo dos seus patrocinadores em TODAS as partidas, mas porque eles não podem fazer eventualmente? Não são todos os jogos que valem milhões e os patrocinadores poderiam pegar carona na repercussão dessas campanhas atenuando o fato deles não serem exibidos naquela partida específica. Frequentemente, os clubes nem tem um patrocinador-master e aí o caminho é ainda mais simples!
Não vejo como o Avaí pode se beneficiar financeiramente dessa ação, mas nem todas as atitudes de um clube de futebol devem ter uma métrica definida. Ao atender um público muitas vezes ignorado e desprezado por nossa sociedade, o Leão da Ressacada mostra através de uma atitude sensível que o futebol pode ter um resgate à sua essência e dar muito aos que tem pouco.
Eventualmente, isso pode gerar maior valor de marca e aumento da base da torcida, mas penso que seria exagero presumir isso. O que temos hoje é uma ação que repercutiu positivamente, ganhou a simpatia de torcedores espalhados pelo Brasil quando o clube podia simplesmente não ter feito nada.
Por que amamos o futebol e nossos clubes?
No final das contas, essas duas iniciativas me levaram à uma reflexão profunda. Eu sempre tive muito orgulho de ser corintiano, não somente pelos títulos em campo, mas principalmente pela raça dos jogadores, por termos participado de um processo político do país, pela vibração de nossa torcida.
Hoje em dia, sinto que em geral os clubes perderam essa diferenciação, o algo que os torna únicos. Nos acomodamos em exigir títulos ano após ano e aceitamos passivamente a contrapartida financeira nos são impostas em troca.
É muito feio ver clubes gigantes mendigando por sua adesão ao sócio-torcedor, cobrando ingressos caríssimos, vendendo mandos de campo e pior ainda é perceber que a maioria dos torcedores compra esse discurso tranquilamente.
É horrível ver torcedores defendendo que o futebol precisa ser caro, aliviando o mal planejamento das diretorias, querendo títulos a qualquer custo não enxergando um palmo a sua frente e não percebendo que a graça de torcer por um time advém das coisas que tornam o time único e não de uma galeria robusta de troféus.
Para ficar apenas em dois exemplos agudos, o maior orgulho dos torcedores do Racing é ter enchido dois estádios no mesmo dia para salvar o seu time da falência e o maior mérito do San Lorenzo foi ter convencido os seus torcedores a comprarem lotes do terreno que lhes foi tomado durante a ditadura.
Podemos vender mandos, encher nossos cofres de dinheiro e por consequência (será que é tão direta assim?) enfileirarmos títulos após títulos, mas essa é a única maneira de aferirmos a grandeza de nossos clubes? É isso que queremos passar para os nossos filhos?
O Avaí pode passar anos sem ser campeão e isso talvez seja muito dolorido para um torcedor do time. Como um simpatizante (modinha!), eu não sofrerei pelos resultados dentro de campo, mas farei questão de comprar um uniforme e assistir os jogos da equipe.
Sinto que de alguma maneira, preciso mostrar ao mundo que podemos respirar um ar fresco, termos uma nova abordagem, uma nova perspectiva. Estou cansado de ver torcedores comemorando renda de bilheteria e contrato de patrocínio.