Dia 27 – Eurocopa do Mundo
por Gabriel Brito
França 1 x 0 Bélgica – Inveja
Antes de tudo: que dia triste essa terça-feira. Andar pelas ruas de uma gélida São Paulo, ver as pessoas amuadas em seus casacos, a tocar em frente a rotina medíocre, entrar em bancos e sair dos mercados enquanto duas seleções europeias disputavam uma vaga na final da Copa da Rússia foi bem deprimente. Que dia deixamos de viver. E no caso dos paulistas um feriado ainda mais prolongado.
Dito isso, lá estávamos nós cumprindo as últimas ordens da 21ª Copa do Mundo.
Em campo, um jogo que ao menos prometia compensar. Duas das mais saborosas seleções – tanto pelas razões esportivas como culturais – marcadas pelo jogo ofensivo fariam uma semifinal.
Na conversa de véspera com amigos imaginamos um jogo de muitos gols.
No entanto, mais uma vez vimos se confirmar a tônica dos campeonatos recentes: jogos cerrados, defesas quase instransponíveis e placar mínimo, não raro conseguido na base da força e da bola parada.
No fim das contas, é por isso que uma nova geração de comentaristas e analistas se esmera tanto em criar uma linguagem supostamente rebuscada que explicaria o jogo para não iniciados – e ai dos pecadores que continuarem achando pouca merda.
A gente entende o jogo. Mas se fosse só isso, movimentos táticos e estratégicos, seríamos doentes por xadrez. As praças estariam lotadas todos os finais de semana para duelos mentais extenuantes. A prefeitura inauguraria novos equipamentos públicos para os cada vez mais demandados encontros entre os adeptos do tabuleiro.
Todo mundo teria um amigo na mesa do bar a olhar para o celular e dizer “peraí, deu treta no grupo Chess-mates, o grupo dos parça no zap”.
– o meu grupo chama Check-mates, bom né?, responderia o outro, a respeitar a breve parada na conversa.
– sinto falta pra cacete, diria o terceiro, agora pai de dois filhos que raramente permitem uma boemia.
Dito isso, quero deixar claro que não estou a achincalhar o que França e Bélgica apresentaram em Leningrado.
O jogo, a considerar os padrões vigentes, foi bom sim. A bem da verdade até mereceu mais gols. Courtouis e Lloris de fato não permitiram, ambos tiveram excelentes atuações.
Os belgas mostraram que tinham sede de mais história, começaram bem a partida, criaram chances e até jogaram o forte time azul para trás.
Martinez voltou a mostrar a virtude que falta a Tite, apegado que é a titulares e formações de confiança praticamente irrevogáveis: o técnico espanhol novamente mexeu na equipe, voltou à linha de três zagueiros, reforçou o meio campo com Dembele, considerando que precisava de mais gente pra bater com o respectivo setor oposto e novamente se saiu bem no aspecto tático.
Tite, de tantas virtudes, muito, mas muito provavelmente, teria mantido tudo, fosse o Brasil contra a França.
Poderosa, a França logo responderia, com Mbappé e Griezmann sempre participativos. Pogba também aparecia bem e o equilíbrio se afirmou.
De todo modo, foi na força e no alto que a França voltou a decidir. Depois de Varane, Umtiti subiu para marcar o gol que daria a vaga na terceira final em seis Copas para a França menos gaulesa da história.
Como dissemos antes, trata-se do pacote mais completo do Mundial. Time forte em todos os setores, tem condições de resolver partidas por meio da técnica ou da força, do jogo veloz ou cadenciado, individual ou coletivamente.
Seria difícil, e foi mesmo, para os diabos vermelhos reverterem a situação. No futebol das muralhas defensivas, mesmo aqueles que sabem driblar, como Hazard, que fez uma brilhante Copa, muito dificilmente vão furar bloqueios tão cheios de cobertura e recomposição. Viradas nem se fala, artigo raríssimo no futebol de alto grau de competitividade.
Mbappé se não repetiu seus momentos mais brilhantes, terminou, ao lado de Pogba, mostrando aquela marra da qual tantos no orgulhávamos. Ambos pisando na bola, tirando onda, tentando matar os belgas pelos nervos. Estes, tiveram uma geração inteira forjada, como dissemos em crônica anterior, em moldes parecidos com os dos franceses. Aliás, fora dos moldes.
Por aqui, nos esmeramos exemplarmente em matar os mestres nessa arte. Cagamos regra, ceifamos genialidades e adequamos tudo ao mercado. Brancos domesticando pretos, se forem olhar bem, tanto no campo como na mídia.
Tenho muita inveja desse time da França, confesso aqui sem vergonha alguma.