*Por André Baiano
Em 1992 a música “Baianidade Nagô”, de Evandro Rodrigues e interpretada pela Banda Mel, trazia um verso interessante que propunha um avanço sobre o Carnaval no meio do refrão.
“…Eu queria, que essa fantasia o fosse eterna…”
Essa música ganhava força ao chegar da quarta-feira de cinzas. Essa música sempre me lembra fim de carnaval.
O carnaval acabou. Quarta-feira de cinzas é o dia da reflexão e cura de ressaca. A história e a tradição são implacáveis nesse sentido. Quinta-feira também é um bom dia e se são perdoadas análises sobre a folia momesca, passou disso, corre-se o risco de já terem perdido o interesse pela “sua” história de carnaval. De fato, o ano começa e a galera já está em outra.
O desfile das campeãs no Carnaval do Rio é o último suspiro. Não o que passa na TV, mas quando a comunidade comemora mais um fim de festa.
Esse é mais ou menos o enredo dos grandes Carnavais. E quando se fala de carnaval tem o grande e o pequeno, sim. É preciso passar uma régua: Salvador, Pernambuco e Rio de Janeiro. O resto vamos chamar de série B. Nesse segundo escalão entram também as pessoas que vão passar o tal Carnaval no mato.
O Carnaval não acabou pelas bandas de São Paulo, então, estou escrevendo impressões de uma festa que não se encerrou. Talvez seja o mais duradouro da América Latina.
Logo, o Carnaval continua e eu não. Deixei as ruas por puro extremismo. Não é problema achar blocos nesse próximo fim de semana. Talvez não acabe nunca e a alegria seja eterna mesmo, porque a gente tem essa mania mesmo de confundir qualquer festa com o sagrado Carnaval.
Movido pelo pré-carnaval decidi ficar em São Paulo, e olha, não me arrependo nem um pouco. Interessante essa retomada do Carnaval de rua da capital paulista. Disputa pela cidade, portanto, ação política. É muito importante São Paulo entrar na “Rota do Carnaval”. É uma cidade que pode contribuir para a construção de uma festa verdadeiramente popular, democrática e não mercantilizada. Mas chega no sapato, sem cair nessa do prefeito que vai ter o maior carnaval do Brasil. A Santíssima Trindade já está consolidada.
Uma coisa a cidade já tem: a atmosfera da festa. Quem não se fantasia é desmoralizado com razão (foi o carnaval que eu mais me preocupei com isso), cerveja quente, transporte público que é ruim e caro se tornando uma opção inviável, o banheiro ampliado, entre outras coisas inerentes ao período momesco.
Tem bloco bom também. Meu roteiro foi mesclando bloco cheio e bloco pequeno. Gostei dos pequenos. Muito Centro e pouca Vila Madá.
Bloco pequeno não tem B.O! Se for ruim é um ruim pequeno, que vira bom. Bloco grande virou sinônimo de furada. Muitas vezes causada pela própria organização e foliões. Sonoridade era sorte, o que te fazia escolher entre disputar espaço com a banda (a outra parte prejudicada pela má qualidade do som dos trios) ou tomar barrunfo de óleo diesel pelas ventas do lado do … vamos chamar de carro de som.
A maioria dos trios bons estavam sendo ocupados por DJs. Nada contra a participação de DJ no carnaval, isso tinha que ser cortado lá atrás quando o carnaval de Salvador começou a receber a turma do David Guetta, mas o real problema é que no espaço sagrado do Carnaval seja o despejo de músicas que não fazem nenhum sentido.
Aí viram blocos sem “time”. Música acelerada o tempo todo e pouca importância para o que se acontece embaixo, não importando o ambulante que está sendo encurralado pela multidão. Nisso esses blocos vão ter que aprender com Salvador. Proporção 3 pra 1. Esse “1” é importante. É a música para apaziguar e todo mundo se encontrar, segurar a onda em locais que não comportam multidão.
Um agravante para a seleção de músicas. Pode tocar de tudo? Deve. Mas, na verdade, sabemos que é fundamental que deixemos de cantar algumas. Não vejo sentido na trinca Rihanna – Marilia Mendonça – Caetano Veloso. Qualquer aplicativo de música é mais generoso. E aqui não falo dos artistas, mas sim, da pessoa que se aproveita do nosso estado lisérgico para fazer essas estripulias corta onda.
É a cerveja quente dos amigos do prefeito para esse processo de enganação por parte desses blocos, e o povo vai junto com um “Fora,Temer” a plenos pulmões e a próxima sequência bate-estaca do DJ. Muita coisa, pouco propósito.
Vão, inclusive, não se importando com o que está em sua frente, seja um grupo de amigos parados ou um ambulante. A parada é empurrar, afinal, é o carnaval de São Paulo e paulistano gosta mesmo de mostrar sua felicidade, as vezes artificial, achando que finalmente conseguiu superar o panteão dos grandes Carnavais do Brasil. Esse complexo sempre teima em aparecer por aqui.
Ainda não é! É Série B ainda, e abre o olho porque dizem que está mais legal em Minas. Mas é uma Série B que te proporciona momentos incríveis, como tomar chuva nos arredores do Teatro Municipal ao som de uma bateria insana formada só por meninas.
De maneira torta, e como tem que ser, o paulistano vai reinventando o Carnaval, com a vantagem de uma história de ocupação do espaço público por parte da população, sendo que a festa só amplia essa disputa pela cidade, a qual vive um momento delicado do ponto de vista do seu gestor. A resistência será importante. Nenhum passo atrás. São Paulo é cidade-berço do samba. Eles perderam nessa. A galera gostou e Daniela Mercury, esperta como sempre, já sacou.
Agora é só ir afinando em todos os sentidos e curtir uma Série B com dignidade. Talvez nunca chegue ao que é Salvador, Pernambuco ou Rio de Janeiro. E nem precisa. Sem crise. O paulistano curte ser descolado.
*André Baiano é historiador, DJ, torce para o Vitória e está atrás do acarajé perfeito em terras paulistanas