Por Raphael Tsavkko
Pela primeira vez em quase dois anos morando em Bilbao, no País Basco (geograficamente no norte da Espanha, politicamente com status de “é complicado”), consegui assistir a um jogo da equipe local, o Athletic Club, que muitos também chamam de Athletic Bilbao. Digo “consegui” porque finalmente encontrei um ingresso que eu podia pagar (algo na casa dos 20 euros; não convertam, não vale a pena).
O jogo era pelas eliminatórias da Liga Europa, contra o eslovaco Zilina, que deu trabalho, pese a qualidade da partida não ter sido das melhores – pois é, há jogos ruins na Europa, aviso aos vira-latas de plantão.
https://www.youtube.com/watch?v=mZDv8DzdY2E
Pois bem, consegui comprar o ingresso pelo site do clube, tudo muito bem organizado, imprimi em casa a entrada, fácil, rápido, meus parabéns à organização europeia. No dia do jogo peguei um ônibus na porta de casa e fui caminhando um pedaço para chegar no estádio. Fiquei imediatamente impressionado pela imponência do San Mames, estádio do clube. Belíssimo com seu telão, em destaque, na fachada cheia de luzes e cores, um verdadeiro espetáculo. Poucas filas, tudo muito rápido, bem sinalizado, vários funcionários para orientar os torcedores, enfim, um banho de organização no futebol brasileiro.
Um adendo, o estádio ainda não está 100% finalizado, mas foi inaugurado faltando ainda vários setores de cadeiras e um acabamento na parte interna, nas escadas e afins, mas nada que prejudique o espetáculo; a nova Catedral chegou a ser inaugurada ainda faltando todo o lado norte atrás de uma das traves.
Jogo prestes a começar, casa cheia (mas não lotada), a torcida animada e quando entra o time os alto-falantes – poderosíssimos, tocando música altíssima antes do jogo e amplificando as propagandas que passavam nos dois imensos telões nos cantos do estádio – começam a gritar, como em todo jogo: “Athleeeeeeeeeeeeeeetic!” Ao que a torcida em uníssono responde: “EUP”! Isto se repete umas três vezes, começa o hino do clube, gritos entusiasmados seguem e vamos ao jogo.
Por que descrevo com alguns detalhes este começo? Porque foi basicamente o máximo de emoção e calor exalado pela torcida ao longo de todo o jogo.
Bola rolando, afora uns xingamentos esporádicos, reclamações, comentários aqui e ali, um silêncio total; minto, as palmas eram onipresentes, mesmo nos momentos mais nonsense – como recuos de bola ao goleiro, que no Brasil poderiam levar um sonoro “filho da puta!” – e alguns assobios contra o juiz. E só.
Exceto por uma pequena parte da torcida, talvez uns 50 indivíduos num dos cantos do estádio, membros do Herri Norte, um coletivo de torcedores de extrema-esquerda e orientação nacionalista basca que não parava de cantar um minuto, o silêncio dominava. Em raros momentos algum desavisado se pegava repetindo o coro insistente dos do Herri Norte; “Jo Ta Ke, Irabazi Arte” (sem parar, até a vitória), mas nem de longe isto se transformava num canto que pudesse contagiar o estádio inteiro (ou um setor sequer).
Assistir a esta partida foi como estar em casa, mas com uma visão melhor, em uma cadeira mais desconfortável que a da minha sala. A emoção do estádio em si, da torcida, não correspondia às expectativas mais tímidas.
E o gol, o grande momento do esporte bretão? Dez segundos de gritos de “goool”, seguidos por palmas e… Todos novamente sentados até que alguma coisa acontecesse e merecesse mais palmas – ou um assobio.
A frieza do público europeu combina perfeitamente com a frieza… Dos europeus. No Brasil, um gol é seguido por abraços em 15 pessoas que você nunca viu na vida, por cinco minutos de comemoração e ao menos dez minutos a mais de cantos que tomariam o estádio. Na Europa é diferente, você comemora educadamente, sem se exceder, sem tocar no colega do lado – respeite o espaço do outro! – e logo se senta para não atrapalhar a vista de quem está atrás. Não sejamos mal educados, certo?
A frieza da torcida europeia combina perfeitamente com a frieza… Dos europeus. No Brasil, um gol é seguido por abraços em 15 pessoas que você nunca viu na vida, por 5 minutos de comemoração e ao menos 10 mais de cantos que tomariam o estádio. Na Europa é diferente, você comemora educadamente, sem se exceder, sem tocar no colega do lado – respeite o espaço do outro! – e logo se senta para não atrapalhar a vista de quem está atrás. Não sejamos mal educados, certo?
Ir a um estádio, ao menos no Brasil, significa passar por um calvário. Comprar ingresso é um inferno, pelo menos no meu caso (sou vascaíno): ingresso pela internet não existe, você tem que mexer a bunda da cadeira. Chegar ao estádio é outro inferno, ou vai de carro ou que deus lhe ajude (e eu sou ateu!). Voltar pra casa de ônibus? Boa sorte, com os jogos acabando depois da meia noite é melhor dormir na rua ou pedir ajuda pra alguns dos que você abraçou depois do gol. Enfim, ir (e voltar) de um jogo por essas bandas não é fácil, mas vamos porque a torcida é uma coisa linda, o calor é sensacional, é emocionante ficar 90 minutos gritando, cantando, apoiando o time.
Na Europa é o contrário. É muito fácil ir e voltar (fui de ônibus, voltei de metrô e isto porque o bonde, ou Tranbia, estava fechado porque estamos no meio do Aste Nagusia, uma semana de festa de rua no centro da cidade, onde eu moro), mas dentro do estádio parece que estamos em um cemitério.
Não sei, talvez seja tão emocionante conseguir chegar ao estádio no Brasil que o pagamento vem em mais emoção lá dentro; já no Velho Continente, é tão fácil que nem vale se esforçar, é só sentar e relaxar.
No intervalo do jogo, centenas de pessoas desenrolavam sanduíches (bocadillos) de seu papel-alumínio e comiam tranquilamente, enquanto outros iam comprar alguma coisa na parte interna do estádio ou mesmo ir ao banheiro. Tranquilos, calmos, como se na sala de suas próprias casas…
Lembro de um jogo no Maracanã entre Vasco da Gama e Manchester United, pelo Mundial de Clubes de 2000. Eu estava com meu pai e um amigo na arquibancada, na época denominada setor branco. Próximo de nós havia um grupo de torcedores ingleses (em geral altos e com o corpo da mesma cor da camisa do time de tanto sol que pegaram nas praias do Rio), e a cara de abobados deles diante da torcida do Vascão, das bandeiras, dos gritos e músicas era incrível.
Eles, tentando talvez responder, batiam palminha, levantavam da cadeira e gritavam “Manchester”. Fizeram isso meia dúzia de vezes e depois pararam de vergonha diante da, digamos, opulência adversária. São duas realidades completamente diferentes.
Eu, sem dúvida, não trocaria a comodidade de comprar ingressos, ir e voltar dos estádios como na Europa, mas no final o saldo é negativo. O esforço no Brasil se paga. Não, não estou justificando a bandalheira e a falta de organização brasileira, mas apenas analisando como um torcedor apaixonado. Senti mais emoção em um Juventus e Catanduvense pela terceirona paulista na mítica Rua Javari do que dentro do San Mamés.
Falta ao futebol europeu a alma que só a América Latina tem (sim, nossos hermanos argentinos também sabem torcer como ninguém). Imagina o que não faríamos com organização, com respeito (por parte de cartolas, CBF, Globo e poder público), e com real investimento no futebol para a torcida e não para os bolsos de poucos?
Não precisamos de arenas ultramodernas (não senti grande diferença entre ir ao São Januário e ao San Mamés, não me importo de sentar numa cadeira de plástico ou numa arquibancada de concreto), não precisamos de telões magníficos e sistema de som de última geração se isto significa vender a alma do nosso futebol, abrir mão de nossa torcida, de nossas músicas, de nossa paixão.
Ao fim do jogo, um momento de calor humano – ou apenas educação – quando a torcida aplaudiu os jogadores derrotados em sinal de respeito pela boa luta e, novamente, o alto-falante do estádio soltou novamente o grito de “Athleeeeeeeetic”, a turma respondeu “EUP”, mas sem a mesma convicção em um estádio já rapidamente se esvaziando, enquanto caminhava cordialmente para as saídas, em silêncio, com algumas conversas esporádicas, mas com a máxima frieza possível. Isso porque estavam felizes (penso eu) com a vitória e a classificação do time para a próxima fase…
Que saudade que me deu do futebol antigo, velho, mas muito brasileiro. Da Javari, de São Januário, Maracanã e Aflitos!