*Por Luiz Felipe Carvalho
Tenho uma confissão terrível a fazer: eu ouço Roberto Carlos. Não, essa não é a confissão terrível, porque nada diz sobre meu caráter. O que vou contar a seguir, sim, é que me torna um pouco menor – embora o ato de dizê-lo aqui me redima um pouco. Quando tenho um disco do Roberto no carro, e chego em casa, e desço do meu carro para abrir o portão, e o bar ao lado de minha casa tá cheio, é batata: eu diminuo um pouco o volume, de vergonha. Pronto, tá dito.
Embora o que vai escrito acima diga mais sobre mim do que sobre o Roberto, é certo que tem raízes em um preconceito meio geral que existe sobre a música considerada brega. Roberto, aliás, é um dos que menos sofre com isso, já que tem o beneplácito da maior rede de televisão do Brasil, e o epíteto de rei, que lhe traz alguma “dignidade”. Brasil afora, odaires josés, benitos de paulas e outros tantos recebem muito mais os efeitos negativos dessa estigmatização.
Mas volto ao Roberto. A obra que ele construiu junto de Erasmo Carlos, e também todo seu repertório gravado de outros compositores, é uma mansão gigantesca, cheia de cômodos. Justamente por isso sinto uma enorme tristeza quando vejo o artista desperdiçando tudo isso e tocando sempre as mesmas músicas, ficando naquele “quarto e sala” básicos, em seus especiais de final de ano e em seus shows. Dá margem para quem não conhece dizer “porra, esse cara só tem essas músicas!”. É um flagelo. No caso, um auto-flagelo, imposto talvez pela memória falha do músico, que não se lembra de suas próprias letras. Mas também por um comodismo brutal.
Roberto é contratado da Rede Globo desde 1974. Com vitrine garantida, Roberto, com o tempo, foi naturalmente se acomodando. E se acomodar, para um artista, é se aproximar da morte. Roberto ainda gravou grandes discos nos anos de 1970, e bons discos na década seguinte. Mas deixou de se importar com o sucesso, que já era garantido pelo seu empregador, tanto pelo especial de fim de ano como pela veiculação apenas de notícias positivas sobre o astro. Roberto, no jornalismo global, nunca fez nada de errado. Vide a total falta de espaço ao contraditório na cobertura do episódio em que ele processou o escritor Paulo César de Araújo. Ou a ausência, na edição que a emissora fez do filme sobre Tim Maia e que exibiu como um especial, dos trechos que mostram Roberto como um amigo desnaturado, que não ajudou seu antigo parceiro em dificuldades.
Apesar de todo o exposto, eu, como já dito, ouço Roberto. Aliás, desde que estava na barriga de minha mãe, fã com direito a todos (todos mesmo) os vinis do artista. Nasci em setembro de 1980, o que me leva a pensar que minha mãe estava ouvindo o disco lançado no natal de 1979 durante minha gestação. Não é dos meus preferidos. Roberto tinha acabado de se divorciar, e o álbum é bastante melancólico (Freud escreveu algo sobre influências uterinas na formação da personalidade?) . Mas, veja só, contém a música preferida de minha mãe, “Desabafo”, que acho que, no fundo, é o que foi isso aqui. E que o rei não nos leia.
*Luiz Felipe Carvalho é jornalista, colecionador voraz de CDs e escreve mensalmente sobre música na Central 3
Regina Aurea Pereira disse:
Adorei ler o texto e acho que Roberto deveria ler. Talvez entendesse o quanto perdeu ao deixar de cantar a “casa” inteira.
Ouvir Roberto fez parte dos meus COSTUMES e lendo este texto EU VOLTEI AO PASSADO. Quero que você ME CONTE A SUA HISTÓRIA musical inteira. ÀS VEZES PENSO que é NA PAZ DO SEU SORRISO que não sinto ABANDONO. Neste parágrafo são citadas seis belas músicas do disco de 1979, muito pouco cantadas por ele.
Obrigada MEU QUERIDO, MEU VELHO, MEU AMIGO.
Maria Teresa Mendes disse:
Também ouço e gosto do Roberto.
Li seu texto com uma alegria ímpar: a de ter sido sua professora de Português! Parabéns, Felipe.
Você é uma das coisas boas que levo da longa vida profissional.
maria lúcia pereira disse:
https://www.facebook.com/RobertoCarlosOficial/videos/1365636966839298/