Por Gabriel Brito
Rússia 1 (4) x (3) 1 Espanha – Enorme Guardiola
Depois de um sábado alucinante de 10 gols e embates que envolviam camisas que nos comovem, não havia possibilidade de o domingo entregar algo à altura.
Mas quando você está de ressaca o relógio anda de um jeito diferente. E quanto mais tempo deitado melhor. Portanto, a morosidade espanhola que permitiu um jogo contra adversário tão inferior durar mais de 120 minutos foi motivo de um silencioso deleite no sofá.
Dito isso, só podemos reiterar o que dissemos desde a primeira rodada: o tiki taka acabou. A Espanha vive de uma sombra que não se aplica à realidade e mofa com a bola de um jeito que não hipnotiza ninguém.
Além do mais, parece claro que a saída de Lopetegui deixou alguma ferida. Hierro não pareceu nunca ter tido o time muito à mão, foi óbvio em algumas mudanças e quando quis surpreender tampouco pareceu muito feliz nas opções.
Foi a primeira vez que se registrou mais de 1000 passes numa partida de Copa. No entanto, era visível que de nada servia. Só na aparência pode-se chamar tanta posse de bola improdutiva pelo nome que já é história.
Primeiro porque a própria denominação já tem o signo da rapidez, do instante que voa. Tocar a bola lentamente e pra trás nunca foi a ideia brilhantemente desenvolvida por um Guardiola que tanta inquietude mostra em relação à rotina.
Não se tratava apenas de tocar, mas de se mexer e aproximar constantemente, engrenagem que se mantinha à perfeição também sem a bola. Esse é o lado menos recordado, mas a marcação dos times talhados por esse modelo de jogo era incessante. Tudo era exaustivo para o adversário, não apenas o momento defensivo.
De resto, trata-se de uma geração na qual alguns jogadores brincaram juntos desde antes do profissionalismo, tipo de convívio e confluência que não se reproduzem em treinos e planilhas, patrimônio inigualável da ala barcelonista (que incluía Messi), a grande responsável por aqueles anos felizes.
A conclusão que me fica após três campanhas falidas em grandes campeonatos, após três títulos seguidos, façanha praticamente sem igual, é que quanto mais passar o tempo maior ficará a imagem de Pep Guardiola sobre esse processo.
Mais evidente fica que a paranoia do catalão em sempre inventar modos de jogar e conectar seus jogadores, transformando o domínio da bola em caminhões de chances de gols, não foi em vão. E aquilo, definitivamente, não foi normal, não foi só um bom time que aproveitou o momento de um conjunto de atletas no auge da carreira.
Até porque vencer a Copa de 2010 sem centroavante é mais comprovação do que ressalva da eficácia do método. Houvesse um 9 que fizesse a mesma Copa de David Villa na África do Sul, a real noção daquela superioridade ficaria mais visível.
Voltando a Moscou, beirou a fraude a opção de jogo da Fúria. De nada adiantava circular a bola de forma tão incansável se na hora que ela caía em uma das pontas ninguém, exceto Diego Costa e depois Aspas, tratava de entrar na área para receber e arrematar.
Aliás, que tremendo absurdo diante de tamanho domínio a opção de Hierro em sacar o brasileiro e colocar um atleta similar, ao invés de tirar um Koke cujos passes nada traziam de interessante. Contra um time que tanto fez questão de ceder a bola, Busquets era mais que suficiente. Saúl, arisco meia do Atlético de Madrid, ter sido privado de jogar qualquer minuto em quatro partidas é inexplicável.
Já no final da prorrogação, Hierro enfim se deu conta de que era necessário, e até fácil, jogar com dois centroavantes. Mas não abdicou de um dos volantes, tampouco sacou o exausto Alba na prorrogação.
Refém de um fetiche que nem de longe reproduzia a ideia original, a Espanha permitiu que os russos efetivassem seu plano de arrastar o jogo para as penalidades máximas, quando autoestima e ambiente local seriam fatores preponderantes.
Claro, para isso teve de contar com competentes atuações, como de Akinfeev, Ignashevitch (esse heroico, gigante), Mario Fernandes, Golovin (outro gigante) e a consciência de jogadores limitados, porém inteiramente mergulhados na dura missão, a exemplo de Dzyuba e Smolov. Pode até ser um time de “Segunda B”, como disse o Marca, mas sabia o que podia fazer e de que modo.
Quanto à Espanha, tem jogadores mais comuns do que a badalação do futebol de hoje permite perceber e terá de se reinventar, sem jogar toda a água fora, mas ciente de que há coisas na vida que são especiais demais para se repetirem quando bem entendemos.
Croácia 1 (3) x 1 (2) Dinamarca – À moda europeia
O jogo de fundo começou da melhor forma possível. Os dois gols em quatro minutos deram a esperança de que víssemos um épico do tipo Suíça x Áustria em 1954.
Doce ilusão. A bem da verdade, dois gols bem modernos. Um lateral na área seguido de conclusão fortuita e gol. Por mim essa jogada estaria proibida o quanto antes. Lateral só poderia ir pra área após algum outro toque depois do arremesso ou ao menos se tocasse o chão antes de adentrá-la.
Na sequência, mais um gol do pinball que temos apontado aqui. Campo cada vez menor para superatletas como os de hoje, portanto, cada vez mais frequentes os bate-rebates até entre jogadores do mesmo time. Pra vender “emoção” parece legal, para os apreciadores de construções mais técnicas do que atléticas nem tanto.
A partir daí, o jogo já não seria mais o mesmo. Melhor, a Croácia ameaçava sempre um pouco mais, porém, sem capacidade de decidir. Mandzukic marcou o seu primeiro no Mundial, mas a inspiração do time depende demais dos dois armadores, que nem sempre estão perto do gol.
Foi num lance de iluminação que Modric deu a Rebic a chance de matar o jogo, já nos estertores da prorrogação, mas o “brilhante pênalti” de Jorgensen não deixou. Estarrecedor que evitar um gol tão evidente não tenha dado cartão vermelho. A explicação de que por ter disputado a bola sem deslealdade e já ter a punição da pena máxima e provável gol até convence. Mas deixa claro como a subjetividade sempre estará presente neste jogo inigualável chamado futebol.
Por esse critério, poderia ter se interpretado igualmente a mão na bola de Sanchez contra o Japão e dessa forma permitido ao volante jogar a partida que na prática não jogou.
Enfim, Schmeichel mostrou que é um goleiraço e evitou a consagração de Modric, o melhor jogador da Copa do Mundo até o fim deste texto.
No fim das contas, o típico jogo sob medida e sem grandes riscos que marcaram toda a Eurocopa e de modo geral pautam jogos entre seleções europeias.
Os pênaltis premiaram o melhor time. Alívio. Afinal, nem da primeira fase a Dinamarca mereceu passar. Uma pena não termos visto ontem os peruanos em ação contra os adriáticos. Por sinal, teria dado um belo confronto.
Finalista inédito é quase uma certeza neste lado da chave, exceto por Inglaterra e Suécia, que só chegaram ao jogo máximo quando foram sede. E final inédita também é outro fato quase consolidado, dado que só um improbabilíssimo Brasil x Suécia poderia reviver o jogo da taça.