Se a prática de futebol entra em campo, em resumo, combinando seus aspectos físicos, técnicos, táticos e mentais, é esse último o que me parece o grande ponto de desequilíbrio diante da falta de espaços e da capacidade de qualquer 11 igualar o jogo frente a melhor seleção do mundo daquela semana. Numa Copa em que 3/4 dos jogadores atuam na Europa e mais da metade nos cinco países mais assistidos, o Mundial é muito de uma reorganização de rostos conhecidos em camisas outras. Reunidos às pressas ao fim temporada, precisam da cabeça, mais do que nunca.
Além disso, um torneio atípico no que diz respeito aos pênaltis e ao número de gols contra, duas linhas de montagem de vilões e mentes desabando. Um bote flagrado pelo árbitro, um chute errado da marca da cal ou um desvio que morre na própria rede e pronto, um mundo cai sobre as costas. Lances que desestruturam o duelo psicológico, numa cabeça baixa de Messi, num choro de Cueva, num toque torto de Cionek ou Bouhaddouz.
Ter esse controle, e influenciar o time, não é uma missão fácil. Quando o Brasil entrou em campo no Rasunda, na final de 1958, obrigado a espantar o Maracanazo, foi a Suécia quem abriu o placar de início. Didi pegou a bola e a levou, debaixo do braço, caminhando lentamente até o meio do campo. Gerd Wenzel, comentarista do futebol alemão, cansou de dizer no último ano que a Alemanha sofreria na Copa sem a liderança de Lahm, na defesa, e Schweinsteiger, no meio, os sensíveis pontos de comando do time tetracampeão mundial.
E aí chegamos, enfim, à seleção brasileira. Como disse o amigo Leandro Iamin, as dores de uma Copa do Mundo se resolvem na Copa seguinte, e me espanta que o capitão do time no momento de maior tensão desse ciclo seja Thiago Silva, o mesmo que viveu o que viveu há quatro anos. Se o Brasil toma 1 a 0 da Costa Rica em São Petersburgo, o telão vai direto no ótimo zagueiro. A saída de bola no círculo central deveria procurá-lo. Não me parece ser o líder da bronca nem o do olhar silencioso. E o time parece carecer dessa figura.
Neymar, claro, é a referência técnica, mas ainda precisa se firmar na reação em momentos de dificuldade. No aperto, sabe que tem de controlar as ideias do time, mas acho que ainda mede mal o uso do drible e, por característica, acaba no contato físico e nas consequentes faltas. Além disso, construiu uma imagem de irritadiço, muito bem usada pelos seus marcadores, tal qual Behrami no domingo. Sem a bola de segurança em Daniel Alves (como esteve tímido, o Danilo) e com Marcelo pouco inspirado, fez ainda mais sentido a entrada de Renato Augusto. Goste ou não, é um raro jogador no elenco que, quando o mundo desaba (tipo um 5 a 0 em meia hora numa semifinal de Copa, lembremos), vai pedir a bola na zona central, tocar, receber, tocar, respirar, construir. Se a faixa de capitão foi renegada a uma alternância aleatória, veremos se a Copa permite o surgimento de novos pontos de liderança pelo campo.
Falando em jogo mental, partida ótima da Espanha, contra o Irã, nesse sentido. Isco, o melhor em campo, e Iniesta, o cara que pode (e deve) arriscar e encontrou o caminho do gol, mantiveram a partida sob controle. Parece simples, mas eles não forçaram o contato nem o chuveirinho na área, não chutaram de qualquer lugar ou compraram brigas paralelas, confiando no estilo do time e, acima de tudo, passando essa confiança para os coadjuvantes.
Na frente, um monstro desse embate psicológico, Diego Costa. Cada um a sua maneira, ele, Cristiano Ronaldo e Luis Suárez decidiram suas jornadas num tapa. Entendem o jogo demais, e chamam os zagueiros para brincar à sua temperatura. Fundamental nessa Copa da cabeça.