Estereótipos nunca são verdadeiros: tratam-se de simplificações que fazemos para vencer nossa incapacidade de lidar com figuras complexas e cheias de características conflitantes como as que encontramos no mundo real. Assim, apesar de trazerem traços verdadeiros e marcantes de seus retratados, os estereótipos nos impedem de ver várias qualidades interessantíssimas do estereotipado.
No Brasil (e em grande parte do mundo, imagino) os alemães são vistos como sisudos, durões, extremamene racionais, super-planejados e pragmaticamente pragmáticos. Com uma única linha de raciocínio, o estereótipo alemão vê os danos causados por suas ações como efeitos colaterais que serão mais do que recompensados por seus benefícios, abrindo o caminho para que ele alcance seu objetivo de longo prazo. Se permitindo agir assim, sem ficar com pena dos sacrifícios que tem que fazer, o alemão chega onde deseja e é capaz de construir coisas impensáveis para os bagunçados, confusos e amorosos latinos.
Eu via a Bundesliga (ou “o futebol alemão”) como um desses feitos, até começar a conhecer histórias que mostram o oposto deste lado “quadrado” do alemão: um lado capaz de ponderar divsersas visões sem aceitar as barreiras e pressupostos de uma só delas (normalmente a do dinheiro) e muitas vezes encontra soluções que satisfaçam a diversos grupos (e não a só um deles – você já sabe qual). O canal da liga no youtube, por exemplo: ao invés de tentar tirar qualquer vídeo com imagens de sua propriedade do ar, como fazem La Liga e Premier League, a Bundesliga não viu a demanda online pelos seus lances e gols como ameaça aos valores pagos pelas TVs, mas sim como uma oportunidade de deixar milhares de fãs mundo a fora mais contentes e ao mesmo tempo tornar a si própria e a seus times mais conhecidos, aumentando os valores de suas marcas. Com este pensamento a própria liga produz e disponibiliza gratuitamente vídeos sobre as rodadas, jogadores, histórias e gols de seu campeonato, em um inglês devagar e fácil de entender.
Outro exemplo veio na Champions League 2012, quando Uli Hoeness, então presidente do Bayern de Munique e que posteriormente seria condenado por evasão fiscal, colocou os ingressos da semi-final a venda com um preço baixo. Ele declarou que podia cobrar o triplo do que cobrou pelos ingressos de arquibancada que provavelmente o estádio estaria lotado do mesmo jeito, mas que decidiu não fazê-lo “porque futebol não é só dinheiro” e que a quantia que ganharia “é deixada de lado em 5 minutos numa negociação de jogadores ou salários, enquanto que para o torcedor faz muita diferença”. Desta maneira, Hoeness mostou como ser racional não significa necessariamente cobrar o máximo o tempo todo, nem maximizar o resultado financeiro do clube, mas sim se questionar e pesar prós e contras das soluções propostas para as questões levantadas, sem adotar um único parâmetro para a decisão.
Por fim, nesta semana recebo a notícia de que o Borussia Dortmund (clube que já conta com uma política de preços mais razoável e se recusa a colocar cadeiras na arquibancada onde fica a Muralha Amarela) procura dois investidores de longo prazo interessados em adquirir 5% de suas ações. A idéia é aumentar em 50% seu orçamento salarial e se tornar competitivo, deixando de ser considerado as categorias de base do Bayern de Munique. Soa estranho que um clube venda parte de si, mas considerando que as opções são adotar práticas predatórias com seus torcedores, ser vendido por completo para um excêntrico milionário russo / árabe ou simplesmente aceitar a situação e abrir mão de ser competitivo, talvez seja o melhor caminho, ou pelo menos um a ser considerado antes de adotar o mesmo que o resto do mundo.
Hoje, por incrível que pareça, eu não queria que o Brasil adotasse o estilo de jogo ou o planejamento alemão, mas sim sua mente aberta.
PS: a história financeira (e sua ligação com a esportiva) do Borussia é riquíssima: com as premiações daquele time de Matthias Sammer e o capital levantado com o lançamento de ações o time investiu em diversos negócios (agência de viagem, fornecedora de material esportivo, etc), reconstruiu seu estádio e montou um esquadrão. O que parecia ser o início de uma hegemonia se mostrou um problema insolucionável quando as coisas – dentro e fora de campo – começaram a dar errado. O clube chegou à beira da falência e teve de enfrentar uma assembléia com seus credores na qual caso estes não aceitassem a renegociação da dívida o clube seria considerado falido e passaria por um processo de extinção. De lá pra cá o clube se re-ergueu e aparentemente não desistiu de fazer frente ao Bayern de Munique, aventurando-se no mundo das finanças novamente. Para quem quiser ler um delicioso texto com todos os desmembramentos dessa história e sobre o significado do futebol para a cidade de Dortmund pode procurar o texto de Uli Hesse na edição de número 2 da Blizzard.
PPS: Outro caso interessante envolvendo finanças e futebol desta semana foi o financiamento coletivo ao SD Eibar. O pequeno clube espanhol havia conquistado o acesso à primeira divisão na temporada passada, mas ainda não se sabia se ele a jogaria, uma vez que não tinha o capital social mínimo exigido pela Liga (apesar de não ter endividamento, o Eibar precisava de um capital social mínimo). O caminho encontrado foi o financiamento coletivo através da internet, que terminou por arrecadar mais do que os EU$ 1,7 milhões necessários com adesões de 12.500 novos associados de 48 países diferentes. Talvez mais importante do que a conquista da vaga para a 1a divisão seja o exemplo do Eibar ao se deparar com um problema maior do que ele próprio e causado por uma regra sem sentido: achar uma solução sem se vender nem abdicar daquilo a que tem direito.