No jantar da noite de quarta-feira, véspera de Palmeiras x Rosário Central, Cristaldo se serviu e chamou um brinde com um copo de suco de laranja: três meses, três meses! O argentino lembrou da final da Copa do Brasil, quiçá a noite mais insana da história da rua Turiassu, para cobrar um time intenso, aguerrido, veloz. Deu certo. Aos 24 minutos, o camisa 9 que por tantas tardes e noites chega a ser quarta opção de ataque trombou com um zagueiro, disputou com outro, fez do gramado pesado um drible de corpo no goleiro e abriu o placar.
Se não era o primeiro tempo dos sonhos, era o primeiro tempo dos sonhos. Se faltou Ademir da Guia ou Alex – que categoria tinham na chuva! -, sobrou disposição e as chances de gol foram surgindo. Finalmente, aliás, depois de três jogos sem vencer em casa no Estadual: ainda que naquele jeitão Palmeiras empurrado pela torcida, de lançamentos longos, unindo vontade a lampejos de seus talentos espasmódicos. Nessas, Dudu acertou o pé da trave, Robinho teve boa chance, Cristaldo chutou mais uma, Jean chegou batendo de fora da área, Thiago Santos tocou fraco de cabeça, Gabriel Jesus foi parado por um impedimento mal assinalado.
E caso no intervalo Marcelo Oliveira entrasse naqueles filmes onde o personagem pode alterar coisas do passado, tomaria uma decisão simples, de um só gesto: rasgaria a folha de fevereiro do calendário e abriria a temporada com aqueles 45 minutos de água, suor e, finalmente, vitória em casa, até então inédita na temporada.
Mas veio o segundo tempo, um massacre daqueles de líder contra lanterna do Campeonato Alemão.
O Palmeiras, inexplicavelmente para a noite que parecia ser de redenção, mas naturalmente para o que vem jogando tem muito tempo, virou nanico. Uma feiura de assustar. Um time pequenino em seus piores dias, assistindo ao rival argentino fazer do Palestra Itália uma capitania hereditária rosarina.
O Central, muito bem treinado pelo técnico Eduardo Coudet, chegou de tudo quanto é jeito. Cervi batendo firme da entrada da área, Cervi dando carrinho e dividindo com o rosto do goleiro, Da Campo soltando o pé para encontrar a ponta dos dedos do maior palmeirense vivo do momento.
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Cambaleando nas cordas, à beira do nocaute, o time brasileiro cedeu um pênalti. Mas Marco Ruben, tal como alguns tantos ao longo da última Copa do Brasil, sentiu a aura de Fernando Prass engolir toda uma arena moderna ao pular no canto direito. O espírito do camisa 1, ainda em minutos superlativos, espirrou para fora outra bomba de Cervi, outra cavada de Ruben. E torceu para que tantas bolas do Central – no chão, elegantemente de pé em pé, a quinhentos por cento de posse de bola – passassem longe do gol palmeirense.
O que vão se lembrar é que o melhor primeiro tempo do ano dentro do possível virou o pior segundo tempo possível. O gol de Allione, num fim de churrasco para lá dos acréscimos, vira trívia para as próximas gerações. Se Marcelo Oliveira vivia o risco de demissão, sobrevive graças à grandeza da camisa, equivalente à feiura do time. E o Palmeiras, 2 a 0 no placar, vira líder do grupo, redefinindo os limites do clichê ‘sofrimento de Libertadores’ – ou aquele outro, tão batido quanto: ‘o que importam são os três pontos’?
*À torcida canalla, fica a solidariedade deste jornalista (e torcedor também, claro) pela má vontade, para dizer o mínimo, da diretoria palmeirense para com a logística dos visitantes.