Nessa segunda parte do ESPECIAL COPA DO MUNDO, separamos mais cinco histórias das mais curiosas que ajudam a entender os motivos desse ser o maior evento esportivo do planeta.
Nas suas edições mais recentes, a Copa do Mundo tem movimentado cerca de 3 bilhões de pessoas em todo o mundo. E o que move tanta gente? É óbvio que tem muita coisa por trás, mas a gente arrisca dizer que a paixão pelo futebol e a alegria de ser torcedor está entre elas.
Com a assinatura de Leandro Iamin, a Central3 convida você para conferir mais uma parte desse especial INCRÍVEL. Vem com a gente!
95 – DAS DERROTAS BRASILEIRAS, A MAIS FEIA
Existe coisa pior do que o Maracanazzo? O 7×1, claro, muitos vão dizer. Entre a derrota que mais causou tristeza e silêncio e a derrota que mais causou indignação e constrangimento, o Brasil se esconde a piaba de 1954, vergonha classificada numa outra categoria: a da covardia.
O “luto” com 1950 foi tão grande que o Brasil não jogou pelo resto daquele ano, e por todo o ano de 1951. Só pisou em um gramado de novo em 52, mas as memórias ainda eram fortes demais. Foi preciso tingir o uniforme de amarelo para enganar um pouco a alma e convencê-la do recomeço, a partir da Suiça, em 1954. Mas que recomeço feio foi esse do Brasil vestindo amarelo: em Berna, contra a Hungria de Puskas (que jogou sem Puskas), uma das mais formidáveis seleções deste esporte, o Brasil perdeu o jogo mas provavelmente ganhou na porrada após o apito final.
Foi 4×2 para eles, 2×0 em dez minutos, e até cabia mais. Os brasileiros, em negação, voltaram para o país reclamando muito da arbitragem, como se fosse ela a culpada pela derrota. O destempero generalizado daquela seleção com pressa de vitória consagrou, por mais quatro anos, a desgraçada frase de Nelson Rodrigues que nos atribuía um complexo de vira-latas. A Batalha de Berna foi uma pancadaria sem sentido que não acrescentou nada de útil à história brasileira em Copas, e é a prima pouco lembrada da família Maracanazzo, cuja mãe é o 7×1 e a vó é a Dona Lúcia.
Naquele 27 de junho de 1954, ainda não tínhamos certeza de que seríamos vencedores neste esporte. Edson Arantes do Nascimento tinha 13 anos. Tudo seria diferente quando o tempo transformasse Gasolina em Pelé.
94 – A CHARGE PREMONITÓRIA E O PRECONCEITO BRASILEIRO
A Colômbia de 1990 conseguiu, pela primeira, vez passar de fase em uma Copa, e foi em grande estilo: gol nos momentos finais contra a Alemanha, jogada linda, passe de Valderrama, gol de Rincón, comemoração emocionada. Nas oitavas, coube aos colombianos um encontro com Camarões, um duelo de dois estilos irreverentes que prometia mesmo divertir o público – e cumpriu. Um dos gols da vitória dos africanos saiu após o goleiro Higuita tentar sair driblando fora da área e perder a pelota para o mítico Roger Milla, que fez o gol e dançou com a bandeirinha.
Aquela seleção colombiana tinha, na linha oculta por onde também se escrevem as Copas, a missão de estancar um pouco do sangue que escorria nas ruas de seu país. Muito antes de virar série do Netflix, os cartéis de tráfico de drogas faziam do poder paralelo a força mais poderosa da nação, capaz de estrangular leis, governos e sociedade. Era uma Colômbia em situação surreal de colapso que chegava, como sempre, no Brasil em forma de deboche, piada, processada e decodificada por gente sem muito compromisso com o respeito aos irmãos de continente (um abraço, Romero!).
Um deles era o chargista da Folha de S. Paulo, cujo nome não consegui, e também não importa agora. Em sua função de colocar humor na história a ser contada, associou a Colômbia às mortes banais a mando dos donos dos cartéis, e, considerando a falha irresponsável de Higuita no jogo do dia anterior, sugeriu, em seu desenho, que o goleiro seria metralhado ao chegar na Colômbia. Falta de sensibilidade digna de prêmio.
Dela decorrem duas ironias. A primeira delas é que Higuita, o suposto metralhado, era amigo pessoal do mais icônico dos megatraficantes da Colômbia, Pablo Escobar, a quem visitou na cadeia algumas vezes e, por isso, caiu em desgraça no país e perdeu vaga para a Copa do Mundo seguinte, onde a outra ironia, você sabe, está: lá, na Copa dos Estados Unidos, Andrés Escobar, zagueiro dos bons, fez um gol contra decisivo para o destino da seleção colombiana. Considerado culpado pela eliminação, Escobar foi de fato assassinado dias depois do desembarque no país, ainda em situação não muito clara.
A charge queria fazer piada de um sério contexto real. Acabou se tornando um material tristemente premonitório.
93 – A COPA DA COLÔMBIA, QUE FOI DO MÉXICO, QUE OS ESTADOS UNIDOS QUISERAM E O BRASIL NÃO ENTENDEU
Em outubro de 1982, pouco depois da Copa da Espanha, a Colômbia, que acabara de eleger novo presidente, abriu mão de sediar a edição seguinte. Para o novo presidente colombiano, “o Mundial deveria servir à Colômbia e não a Colômbia servir ao Mundial”. Seu discurso de desistência conteve ataques claros ao que chamou de “extravagâncias” da FIFA. Já havia, ali, um desejo de transformar a Copa em um espetáculo superlativo, lucrativo, especulativo, à beira do cafona e cercado de rococós corporativos. A FIFA que arrumasse, com pressa, outro país para usar de quintal e almoxarifado.
Quando, anos antes, a Colômbia foi eleita sede, houve, no mesmo congresso, a eleição para novo presidente da FIFA. João Havelange, que era oposição, venceu a dita cuja, e, com o tempo, mudou as regras do jogo e as exigências ao país-sede, tornando a demanda do governo colombiano muito maior do que aquela prometida e acordada na hora da candidatura. A nova gestão da Fifa exigiu demais da Colômbia, e, por isso, o novo governo da Colômbia não quis mais saber da Copa.
Que foi parar no México, após uma disputa com o seu vizinho mais cri-cri, aquele que fura a bola que cai do seu lado do muro. Os Estados Unidos enviaram à FIFA, como você vê na imagem, um documento de 4 páginas garantindo que era um país pronto para uma Copa do Mundo – não tinha nem campeonato de futebol profissional no país, mas e daí?, os Estados Unidos prometiam estádios grandes, obras grandes, estradas grandes, parceiros grandes. Deu México, mas estava plantada ali a semente do bom relacionamento entre FIFA e USSF, que culminaria, já em 1987, na formalização da candidatura deste país à Copa do Mundo de 1994, como de fato aconteceu, abrindo definitivamente as portas do jogo para um novo modelo de negócio.
O Brasil foi em 2014 tudo que a Colômbia esteve a um passo de ser nos anos 80. Por aqui definham em praça pública (ou privada) alguns mamutes de concreto, sem que quase nenhuma obra de infraestrutura realmente relevante tenha sido entregue ao brasileiro – Ronaldo, embaixador da Copa, aliás, declarou que “não se faz Copa do Mundo com hospitais”. Verdade. Copa do Mundo se faz com o que a FIFA conseguir enfiar no país que a quiser. A Copa não serve o país, mas o país serve, e muito, à Copa. E a entrada dos Estados Unidos neste jogo, país tão capacitado para fazer o tal capitalismo girar, foi a melhor notícia que João Havelange (E Sepp Blatter, o então secretário que foi destinatário da carta abaixo) poderia receber para seus, digamos assim, negócios.
92 – OS CARTÕES COLORIDOS, A TV COLORIDA E AS REGRAS
O jogo entre México x União Soviética, abertura da Copa do Mundo de 1970, não deu ao povo o que o povo quer: gols. Foi um 0x0 sem vilões, placar imposto pelo paralisante sol do meio-dia na Cidade do México. Porém, a partida inaugural da Copa de 70 ficou para a história como a do primeiro cartão amarelo da história. Sistema criado para que houvesse uma advertência antes da já existente exclusão, a adoção do cartão tinha inspiração na linguagem quase universal dos sinais de trânsito e saiu pela primeira vez do bolso do juiz alemão Kurt Tschenscher após a falta que o soviético Lovchev fez no mexicano (não se perca pelo nome) Valdivia.
Cartões coloridos tinham apelo lúdico e dialogavam com o que acontecia fora de campo. Por exemplo, era a primeira Copa do Mundo com transmissão em cores para alguns lugares – o Brasil assistia ao vivo, mas em preto e branco. Pela mesma razão, a FIFA tomou o cuidado de providenciar, junto da Adidas, uma bola cujo material fosse predominantemente branco, não marrom. A bola da Copa de 70, a Telstar, com alguns gomos pretos, já nasceu clássica e na telinha, e o pai de família no sofá se sentia cliente preferencial do jogo, adequado à cor da sua TV.
Mas a telinha é fogo, e começou a mudar o eixo da contenda. Copa do Mundo tem fuso-horário, a televisão tem demandas de audiência, então alguns jogos tiveram que ser disputados em horários horríveis, em nome do “ao vivo”.
A abertura, por exemplo, como dissemos, foi jogada meio-dia para que as pessoas assistissem, na Europa, lá pelas 18h. E se jogar meio-dia cansava muito, nem tudo era lamento, já que a FIFA inaugurava outra regra: a das substituições, já testada desde 1967, mas nunca em jogos de seleções. Serebrianikov, da União Soviética, foi o primeiro substituído em uma Copa do Mundo. Ironias com o horário à parte, era o futebol compreendendo a evolução física do jogo e a necessidade de trocas pelo bem do técnico e do estético. Times caindo aos pedaços e atletas lesionados fazendo figuração em campo pegavam mal na tevê.
O Mundial de 70 foi sem dúvida um marco tanto no que tange as regras do jogo quanto no que representa para a visibilidade dele. Quatro anos antes, na Copa do Mundo da Inglaterra, o argentino Rattín foi expulso por um árbitro alemão, e, na ausência de um idioma em comum, não conseguia (ou não queria) entender a mensagem. O cartão vermelho veio para acabar com problemas de idiomas, enquanto o desenvolvimento do jogo, sobretudo em termos físicos, andou curiosamente ao lado do aumento da qualidade das transmissões de TV, que, por sua vez, entregou ao público final imagens cada vez mais nítidas. Sutilmente, trata-se de um ciclo. A disciplina do jogo está diretamente ligada ao ângulo em que vemos os lances e em como queremos que a disciplina colorida dos cartões seja aplicada depois deles.
Muito mais fortes, muito mais filmados e vigiados, jogando o mesmo campeonato de quase cem anos de um jeito que, olhando assim do sofá, soa tão mais impactante do que realmente é – em slow motion, então, nossa!
Os cartões e as substituições mudaram as regras do futebol. A televisão colorida também. O Cara-ou-corôa, sabe-se lá como, ainda persiste.
91 – O MAL DE MONTEZUMA E A CARTA DA DISCÓRDIA
Você precisa respeitar a Maldição de Montezuma se visitar a Cidade do México. Se não a realidade, pelo menos a lenda. É ambíguo, mesmo. De um lado, de fato, existiram casos de intoxicação alimentar nos dois Mundiais no país, provavelmente pela ingestão de água maltratada. Por outro lado, há uma crença de que após a Cidade do México ser destruída no século 16 (me poupem de números romanos), Moctezuma, o próprio, morto na ocasião, rogou uma praga contra todos os estrangeiros que visitassem a região – que foi invadida pelos espanhóis em uma trama de traição estrangeira e ingenuidade do imperador azteca.
A Copa de 70 estava para começar quando um escândalo ofendeu a população da capital mexicana. Uma subsidiária da Nestlé, distribuidora de alimentos, informou via carta à delegação inglesa que “suas mercadorias já estão em solo mexicano”. O telegrama foi interceptado por um jornalista local. Nele estavam discriminados os itens, como 400 quilos de salsichas, 50 quilos de salmão, água, muita água, geleia, muita geleia, queijo pra cacete, enfim, tudo que garantisse aos jogadores ingleses distância da gastronomia local. A pauta estava feita.
Na mídia, entre outras manchetes, a crônica mexicana gerou frases como “Sua Majestade nos chamou de porcos”. O hotel onde os ingleses estavam, em Guadalajara, virou uma bagunça, com mexicanos se revezando em turnos para incomodar o descanso dos agora maiores rivais. O mascote da Copa, Juanito, que era um tipinho fofinho com sombreiro na cabeça, foi lançado como uma homenagem e uma continuação estética do mascote da Copa de 66, leãozinho inglês criado pelos ingleses. Com o episódio da carta, estava selado o destino de Juanito, mascote rejeitado no país desde então.
Enquanto o México se engajava na torcida contra os ingleses, o Brasil fazia caminho contrário: a delegação verde-amarela fez questão de dizer que não tinha restrições alimentares ou com a água mexicana, e que, se era bom para a população de lá, seria bom para os brasileiros também. Estava firmada uma relação amistosa que Tostão, Jairzinho, Rivellino, Pelé e Gérson deixaram ainda mais forte quando venceram a Inglaterra, 1×0, gol de Jair. Foi o melhor jogo do México na Copa.
Se vocês acreditam na Maldição de Montezuma ou não, aí vai de cada um. Fato é que Gordon Banks, goleiro inglês, não jogou a partida seguinte, contra a Tchecoslováquia, justamente por intoxicação, e seu reserva atuou com cara de merda, pois sentia os mesmos efeitos mas não desistiria do jogo. Será que foi algum problema com a geleia?