Por Leandro Iamin
6:05 de domingo, depois de sexta e sábado agitados, dia para descansar, mas qual o quê, salto da cama e, pasme, não sou o primeiro, Rodrigo já está no sofá da sala do sobrado com bolas de futebol, quadros de futebol e domingo de tênis. A primeira informação que tenho ao levantar é de dor, na coxa, e puxa, quem fez a falta fui eu, o camisa 10 dos caras chapelou um, depois outro, eu seria o terceiro, mas que nada, trombei nele e pronto, não doeu na hora mas agora sim. Rodrigo, que “dalí um pouco”, como diria Chico Lang, trataria de vestir também suas chuteiras, perderia parte do duelo se ele tivesse 5 sets, como teve. Peladeiros de final de semana que acordam às seis da manhã de um domingo para um jogo de tênis, um encontro improvável de gênios cujas biografias são autoritárias com nosso sono e sensibilidade. Não acordar pareceria ofensa, desfeita.
Pois, para peladeiro varzeano que sou, que somos, esfera tão baixa na pirâmide competitiva do jogo-monopólio, é sempre fácil parar e assistir um Palermo x Verona qualquer, somos de carne, osso e hábitos. Outros quinhentos são um Tsonga x Belucci. Não paro para ver, provavelmente você também não. O Aberto da Austrália é uma exceção, inclusive afetiva. Paraíso dos insones, transmitida madrugada adentro, em pleno janeirão vivo, é, Guga que me perdoe, o meu Grand Slam preferido, o momento do ano em que confiro a tabela, o ranking, confundo as duzentas tenistas eslavas de nome complicado e conto para alguém que uns anos atrás a dupla juvenil campeã de Roland Garros era romena e nos caracteres aparecia como “Rosca/Ducu”, tadinhas, nunca entenderiam a piada, e olha que escrevi para uma delas.
Roger Federer, 35 anos, uma mente cansada, o sol da carreira às costas e 17 taças do tipo na estante. Rafael Nadal, 30 anos, retrospecto muito superior em jogos contra o suiço e uma autobiografia por mim levada para as férias sem no entanto ser lida. Em comum, a luta contra as costas e os joelhos, lesões familiares aos tenistas, e infernais aos dois, especialmente ao mais novo. Anúncios de afastamento, informes de cirurgias, desistências na frente do público, sessões infinitas de fisioterapias cuja intensidade a gente, mesmo se visse, talvez não acreditasse. É essa a tinta mais comum com a qual atletas de ponta pintam seus mais belos quadros. Sabemos, mesmo os consumidores ocasionais, que Federer levita em quadra e representa a perfeição estética do jogo ao passo que Nadal é de uma bravura e resistência especiais. Sabíamos também que o brinquedo não era mais deles, a nova geração está aí, a gente procurando o carisma deles, eles procurando as taças que, na Austrália, em 2017, não ganharam. O tênis acordou cedo em 2017, decidido a reverenciar seus gigantes para começar a restaurar um 2016 que tanto maltratou a imagem do jogo, lambida pelo cachorro fedido da corrupção. E a final entre eles, Nadal e Federer, já nasceu clássica. Ninguém precisou explicar do que se tratava.
Com o auxílio do Google, não aqui, você vai encontrar uma análise do jogo em si. Não sou a pessoa para fazer isso. Me pareceu, contudo, do tamanho prometido. Disputada em um nível de excelência que geralmente esperamos de corpos mais jovens, não de rapazes que, sempre repito quando trato de tipos assim, toparam passar décadas de suas vidas com dor em tendões e articulações em troca de muito dinheiro, prestígio e um pequeno esforço de gente que acorda para vê-los. O duelo entre os dois neste domingo será reprisado em algum programa de clássicos do esporte quando eu for um desses velhos nostálgicos, e me lembrarei, se tudo correr bem e o Palmeiras não fritar meus neurônios, do cheiro do pão preparado pelo Rodrigo, do sinal da TV que me negou parte do último set e da dor na coxa que, vejam vocês, sequer resultou em cartão amarelo.
É isso, Federer arrebenta o joelho brincando com a filha em casa, Nadal usa até células tronco para domar a dor diabólica em suas costas, e os dois reposicionam suas próprias histórias quando já pareciam parte de um passado de confrontos saborosos cujos resultados mais importantes, sempre à favor do espanhol, surpreendiam. Federer ficará na história como, para muitos e para os números, o maior de todos; Nadal será, entre outras coisas, lembrado como o maior algoz do maior de todos, e eu só estou aqui, aprendendo a gostar mais de tênis e imaginando que legal é ser Roger Federer ou Rafa Nadal. É mais ou menos como sentir uma dor na coxa mas ter um bom domingo mesmo assim, ou é um pouco mais emocionante?