Por Paulo Silva Junior
A tese é de Murilo Filho, o cronista esportivo que vive os últimos dias da longa história dedicada ao jornalismo e ao futebol no romance O Drible, de Sérgio Rodrigues: o rádio teve uma importância fundamental no desenvolvimento do futebol nacional (e da paixão pelo futebol) por estimular os narradores a mentir, inventar, exagerar a beleza dos lances, e então, com o advento da televisão, passou a haver um descompasso muito grande entre o que era narrado e o que você via; o que os jogadores tiveram de fazer foi tentar melhorar, tornar o jogo mais exuberante, e não o contrário como poderia ser num sentido mais lógico; a plástica do jogo se adaptou à narração fantasiosa que os ouvidos se acostumaram.
A história saiu de Thalles Gomes, autor de O Futebol na Terra da Rasteira, crônicas de um alagoano retirante que hoje vive em São Paulo, em conversa nos estúdios da Central 3: você só podia assistir a um jogo do CRB ou do CSA indo ao estádio, e estádio no verão do campeonato estadual era sinônimo de cerveja – era comum, então, você sair com a certeza de que aquele camisa 10 do seu time só não estava na seleção por não jogar num Flamengo da vida; agora, tiraram a cerveja do estádio e os times começaram a passar na televisão, combinação que faz você perceber que eles não eram tão bons assim.
O comentário é do jornalista Mauro Cezar Pereira, da ESPN Brasil, num dos trocentos programas de hora de almoço – cada vez mais longos, agora já colam no jogo da tarde: algum torcedor apaixonado por futebol, que passa horas de sua rotina no estádio ou na frente da TV, está mesmo interessado em pensar a diagonal implantada pelo José Mourinho? Ou estamos cada vez mais falando para nós mesmos?
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Toda semana, nos estúdios da Central 3, o programa Folha Seca conversa com alguém que mistura o esporte a outras formas de expressão, na grande maioria escritores ou diretores de cinema que estão produzindo ou lançando conteúdo relacionado ao futebol. E, via de regra, passamos pelo debate sobre como o jogo tem sido tratado nos tempos atuais, da cobertura dos veículos de imprensa à produção de livros e filmes.
De forma geral o grande eixo de discussão fica sobre o tratamento que o futebol recebe, em quantidade e qualidade, por outras expressões no cenário contemporâneo, aquele que transformou o esporte em negócio, o jogador em superstar, a partida em espetáculo midiático, deturpando as essências básicas da relação íntima entre o homem e o terreno onde pisa, os pés e as bolas que chutam, as camisas e o peso que têm para as respectivas cidades, os centroavantes e os garotinhos atrás do gol, enfim, transformou-se um corre-corre animal e rústico num especial de televisão – ainda assim deixemos a consolidação da televisão como pólo principal da relação entre torcedores e o futebol pra algum outro texto, uma reflexão mais longa.
Diante da grande produção que tem apoio em datas comemorativas, almanaques, fichas técnicas, súmulas, listas e curiosidades do mundo da bola – fundamentais, mas em alguns casos previsíveis –, passamos também pelas dificuldades de colocar o futebol em obras de ficção, sejam romances em prosa ou filmes. Aqui, falou ao Folha Seca o escritor Luiz Ruffato, que instigou colegas a escreverem sobre o jogo e organizou a coletânea Entre as Quatro Linhas:
“Eu considero futebol uma forma de arte, e qualquer expressão artística apropriada por outra expressão artística gera dificuldade. Mas o futebol envolve tragédia, comédia, drama… ele tem as características inerentes à arte.”
Seguimos com o que disse Sérgio Rodrigues, também ao Folha:
“O futebol é, ao lado da música popular, a maior contribuição que o Brasil deu à cultura mundial. (…) O futebol é difícil de ser escrito. Do ponto de vista jornalístico muita gente escreve muito bem, agora, abordar isso com o discurso de uma outra arte é complicado pelo fato do esporte já ser uma narrativa pronta. O jogo começa, se desenvolve, tem um resultado e acaba. E reabrir esse jogo para contar essa história não é muito simples.”
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Perguntado sobre onde estariam as crônicas esportivas de Nelson Rodrigues nos dias de hoje, Rodrigo Viana, autor de A Bola e o Verbo – O Futebol na Crônica Brasileira, respondeu que a crônica atual é o que fazíamos ali, num papo pro Folha Seca. Que é o que estão fazendo com as novas mídias, com a comunicação afinada pelas possibilidades da internet, coisa e tal.
Vamos falando, e agora escrevendo, sobre o que se tem pensado sobre o esporte por aí. E que seja lúdico, inventado, romanceado, que tenha espaço pros devaneios do Sérgio Rodrigues, pras nostalgias do Thalles Machado, pras flâmulas nas mesas dos romances do Luiz Ruffato. Assim, mais Impedimento e menos replay na televisão. Mais opinião do porteiro e menos mapas de calor. Mais várzea e menos Fifa. Até.
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Paulo Silva Junior, jornalista, escreve para o blog da Central 3 semanalmente, e apresenta os programas Folha Seca e Esporte Fino dentro do site.