“O futebol não pega, tenham a certeza. Não vale o argumento de que ele tem ganho terreno nas capitais de importância. Não confundamos. As grandes cidades estão no litoral; isto aqui é diferente, é sertão.”
Graciliano Ramos, felizmente, errou. Nessa crônica publicada em Palmeira dos Índios, o escritor alagoano se arriscou a dizer, em 1921, que essa coisa de bola não ia ser grande por aquelas bandas. Dediquem-se à rasteira, rapazes!, escreveu.
Quando lançou Caetés, em 1933, Graça vivia em Maceió e provavelmente ignorava o título estadual do CSA, o terceiro em cinco Campeonatos Alagoanos até então disputados. O CRB vencera os outros dois.
Em 1939, já convivendo com o sucesso de Vidas Secas – e com São Bernardo e Angústia na prateleira -, onde estaria Graciliano no Jogo da Sofia, o 1º de Outubro que registrou a maior goleada do clássico, os 6 a 0 do CRB sobre o CSA: conta a história que Arlindo, atacante regatiano que marcou duas vezes naquele encontro, criava uma cabra de nome Sofia; o jogador gostava de uma cantoria popular que passava pelos animais do jogo do bicho e, sempre que chegava no número seis, a cabra, ele fazia referência ao jogo histórico.
E olha que quando Graciliano veio com dois de seus petardos que mais me encantam, até os gigantes da bola parecem ter ficado assustados em Alagoas: Infância, de 1945, coincide com o primeiro ano em que o torneio local não foi vencido nem por CRB, nem por CSA – deu Santa Cruz. Já o póstumo Memórias do Cárcere, de 1953, chega junto do primeiro caneco levado para fora da capital, com o ASA, de Arapiraca, superando o Ferroviário.
Voltando ao jogo maior: o Clube de Regatas Brasil data de 1912; o Centro Sportivo Alagoano, de 1913; e o primeiro Clássico das Multidões aconteceu em 1916. São 100 anos para cerca de 500 jogos que pintam a capital alagoana de vermelho e azul, mais um deles neste domingo.
Que ironia constatar, dois anos depois da Copa do Mundo, que felizes são os estaduais sem arenas no padrão da toda poderosa. E num final de semana de FlaFlu em Brasília – o primeiro fora do Rio na história do Carioca, aliás -, o controle remoto passou ileso por uma avalanche de ligas francesas e espanholas e inglesas – além de um Pacaembu às moscas também – para encontrar o Rei Pelé eufórico para a sexta rodada do Alagoano. É um clichê, mas é delicioso, a tal história do campeonato à parte: CSA e CRB, em campo e invictos.
Com mando de campo azulino, a torcida do CSA era, obviamente, maioria na casa cheia, e correspondeu com bonita festa nas arquibancadas: foi suspensa uma grande imagem do ídolo Jacozinho, mosaico formando o ano de fundação – 1913 – e ainda outro bandeirão com um azulão de binóculos provocando a torcida rival: Cadê você?
Mas o lado regatiano também marcou presença criativa e enfileirou centenas de escudos do CRB no momento da entrada do time em campo. Uma faixa também foi vista entre os vermelhos: Eu sei que você treme.
No início, logo aos sete minutos, a bola que veio da esquerda cruzou a área azulina e encontrou o pé direito de Bocão, que abriu o placar para o CRB. A equipe, que vinha de derrota no mesmo Rei Pelé diante do Coruripe, pela Copa do Nordeste, começava muito bem o clássico.
Mas os de vermelho recuaram em excesso, abdicaram do ataque, e Luís Soares empatou de cabeça no segundo tempo em que o CSA pressionou muito. O ataque azulino ainda acertou a trave duas vezes – uma cobrança de falta no pé do poste e um chute colocado que caprichosamente não entrou no ângulo – e viu Júlio César, o goleiro regatiano que foi a campo no intervalo, fazer uma defesa incrível, à queima roupa, impedindo um gol de Didira. Jogão terminado em 1 a 1.
Como escreveu Thalles Gomes, que muito nos ensinou em suas crônicas sobre o futebol alagoano (e também no Futebol na Terra da Rasteira, reproduzido abaixo), “domingo irei ao estádio e de lá voltarei cheirando a mijo, suor e raiva. Deitarei no sofá, assistirei aos gols da rodada e dormirei. Fedido, alienado e feliz”.
Ainda bem que Graciliano errou, e feio. Se tantos como Fabiano e Sinhá Vitória continuam a andar por esses sertões brasileiros, não raro encontram um melão rolando sobre a terra aqui e ali. E vira e mexe caem num dia como o próximo 13 de março, com mais um Clássico das Multidões no Rei Pelé.