Na semana passada recebi um convite que em diferentes circunstâncias seria facilmente recusado. Um amigo palmeirense viajaria a trabalho durante a semana do Choque-Rei e me oferecera seu cartão Avanti para não perder posições no rating, de acordo com a nova lógica consumidora.
Ansioso para voltar à Turiassu, após cinco anos sem clássicos na região, e ciente das polêmicas recentes em relação à precificação do setor visitante, diante de ponte pretanos e corintianos, resolvi garantir um lugar menos caro, antes mesmo de anunciarem os valores para os são-paulinos.
Por outro lado, teria que assistir o clássico entre os palmeirenses, algo que foi sendo absorvido nos últimos dias. Quando, enfim, chegou a notícia de que os ingressos custariam R$ 200 para os tricolores, fiquei aliviado e frustrado ao mesmo tempo. No fundo, sabia que seriam poucos que pagariam esta quantia, visto que desde o começo do ano somos “sangrados” no Morumbi.
Em atitude inédita, as torcidas organizadas do São Paulo se recusaram a comparecer ao antigo Palestra Itália, sendo apoiadas, por meio de uma nota oficial, pelos seus pares palmeirenses, sabedores que esta não é uma questão que envolve apenas A ou B e sim TODOS que acompanham seus clubes de local ou visitante.
Num misto de raiva e ansiedade, tomei o trem e desci na Barra Funda, seguindo o fluxo de camisas alviverdes em direção à Sociedade Esportiva Palmeiras. Fui recepcionado por alguns amigos palestrinos, solidários à minha causa, na Rua Caraíbas. Porém, o clima de festa na região não condizia com mais uma etapa do coma pelo qual o futebol foi induzido, só aguardando a eutanásia a ser aplicada no Qatar, em 2022.
Fui guiado até o portão das cadeiras do Gol Sul, onde ficavam localizadas as piscinas na velha casa palmeirense. Adentrando o Allianz Parque se escutava a Tarantella tocada no último volume e aqui cabe um parênteses. Por mais que soe repetitivo, a dita “experiência” não se assemelha em nada ao que eu aprendi sobre ir à cancha. Música alta, luz branca, telão HD, parecia mais uma balada do que uma partida de futebol. Sem falar na falta que fazem os jardins suspensos e as chaminés da Matarazzo, ao fundo da ferradura.
Me misturar entre os presentes foi mais fácil do que eu pensava, bastando ficar sentando e mexendo no celular. Contudo, não podia fumar para aliviar a tensão, pois os stewards, com seus coletes laranjas, coibiam qualquer ato de tabagismo em minha volta, entre outras violações de conduta (?) como se aproximar da tela de acrílico próxima ao gramado, por exemplo, em lances de perigo ou mesmo na comemoração dos gols.
Antes de a bola rolar, foi reprisado o Top 5 de gols mais memoráveis para os alviverdes no Choque-Rei. Mal sabíamos que logo aos 3 minutos de jogo testemunharíamos outro, após Robinho surpreender Rogério Ceni da intermediária. Um cara sentado atrás me puxa pelo ombro e pergunta retoricamente “Você viu que golaço?”.
Mais adiante, expulsão ridícula de Tolói, outro gol do Palmeiras, marcado por Rafael Marques, e agora o espectador à frente questiona em tom de ironia “É treino de ataque contra defesa?”. Troco de lugar no intervalo, para não levantar suspeitas, ficando mais próximo de uma das saídas, afinal àquela altura já havíamos perdido o clássico e eu não queria perder a condução também.
O São Paulo melhorou razoavelmente com a entrada de Centurión, mas o domínio seguiu sendo dos locais, que ampliaram a vantagem novamente com Rafael Marques. Com a vitória praticamente consumada, o “cidadão de bem” ao meu lado gritou a plenos pulmões em direção ao setor visitante “Chupa Bicharada”.
Quando anunciaram a renda foram muitos aqueles que sinalizaram os quase R$ 2 milhões arrecadados, para cerca de 25 mil pagantes, em tom de deboche para os poucos são-paulinos que se dignaram a pagar entre R$ 100 a R$ 200, abandonados tanto pela diretoria do clube quanto pela PM, segundo relatos na saída da Arena. Foi a senha para a caminhada de volta ao Terminal Barra Funda, antes mesmo de Michel Bastos tomar o segundo cartão vermelho da noite, derrotado dentro e fora de campo.