Por Pedro Pereira Buccini
Eu estava na cozinha de minha casa, o refúgio de um adolescente sem quarto, apesar de precisar andar curvado, pois o teto era mais baixo do que eu. Horas antes a Itália conquistara, nos pênaltis, a Copa do Mundo de 2006. Lá refleti pela primeira vez algo que martela em minha cabeça desde então: nunca havia visto uma final de Mundial com três gols em que as duas seleções marcaram. O copo meio vazio de Berlim, que testemunhou um placar de 1 a 1, não me satisfez.
Duas finais depois, dois “oxos” no tempo normal, cada qual com seu gol chorado na prorrogação consagrando duas seleções que não tinham um craque que nos eclodisse em sorrisos ou murros com sua rebeldia, e a situação só piorou. Duas campeãs mundiais que mais incomodam pelo repertório blasè do que por um estilo sanguíneo que, obviamente, arrebata corações para o bem e para o mal – como a própria Azzurra de 2006.
Obviamente estas as finais de 2010 e 2014 não preencheram os dois critérios que matutei naquela madrugada em 2006, que sejam a) três gols em uma final; e b) com as duas seleções anotando. Se formos pensar em todas as competições importantes de seleções – esqueçam a Copa das Confederações – a última vez que se saciaram estes dois componentes foi no cardíaco título brasileiro na Copa América de 2004, no Peru. Eu sei que o Brasil devastou por 3 a 0 a Argentina em 2007, na Venezuela, e a Espanha humilhou com um 4 a 0 a Itália, em 2012, na Ucrânia. Mas só uma das seleções marcou gols nessas decisões, assim como a França em 1998.
Em termos mundialistas, a última vez que uma final atendeu estes dois critérios foi na vitória argentina, comandada por Maradona, por 3 a 2 contra a Alemanha, no México. Detalhe importante: TODAS, repito, TODAS as finais de Copa do Mundo até 1986 atendiam estes dois critérios e nenhuma depois conseguiu atendê-los. Ou seja, nas treze finais mundiais entre 1930 e 1986 houve ao menos três gols e as duas equipes marcaram; nas sete seguintes isso nunca mais aconteceu.
O que torna aquela decisão, que hoje completa 30 anos, um marco definitivo entre o futebol romântico e o “futebol moderno”. Foi a última Final com F maiúsculo, o último tango mundialista do esporte bretão. É como se o futebol se despedisse naquela tarde ensolarada da Cidade do México, em pleno Estádio Azteca, deixando gerações órfãs de sua passionalidade em seu principal palco: a derradeira partida da Copa do Mundo, aguardada pelos quatro cantos do planeta durante quatro longos anos.
E que despedida, amigos! A Argentina já tinha feito de tudo naquela edição, em especial no mágico dia de 22 de Junho contra a Inglaterra, pelas quartas-de-final, mas obviamente nada valeria sem a taça – viu, Messi? E depois de abrir 2 a 0, nossos hermanos permitiram o empate alemão em duas cobranças de escanteios. Mas faltando sete minutos, um passe genial de Maradona para arrancada ávida de Burruchaga rumo ao gol libertador e enlouquecedor definiu o bicampeonato argentino diante de 115 mil torcedores! O canto do cisne do futebol.
A partir dali tudo mudaria. A placa subiu e as três substituições aconteceram, pouco a pouco: o pragmatismo entrou no lugar da transpiração, a razão tomou a posição da emoção e o drible foi substituído pela velocidade. Nisso, as inversões se tornaram inevitáveis: os técnicos se tornaram mais importantes do que os jogadores; a técnica e arte precisaram se adaptar aos esquemas táticos que antes apenas tinham como função expandi-las; os telespectadores são a prioridade; 40 mil presentes é um ótimo público; ações de marketing moldam a cultura torcedora, antes espontânea; o clubes, antes associações, hoje são empresas; o mercado tomou totalmente o lugar da paixão e os lucros são tão ou mais comemorados do que gols e títulos; e as seleções, outrora a essência do grande futebol, são hoje o reflexo de sua mediocridade.
No Jubileu de Pérola da “última Final”, aguardamos que o futebol volte de seu período sabático ou saía da UTI em que se encontra. Sonhamos que a partir da próxima decisão mundialista não precisemos sentir saudade de tudo que ainda não vimos com a triste impressão de que este texto, com pequenas modificações burocráticas, cairá como uma luva para os sentimentos que nutriremos na noite de 15 de julho de 2018.