Por Marcelo Mendez, publicado originalmente no ABCD Maior
Esse texto é uma afronta!
Soará como uma bifa na venta daqueles que entendem que o pragmatismo óbvio e ululante é a coisa mais importante do mundo. Uma enorme provocação aos cérebros cansados daqueles que imaginam o mundo pode ser salvo a partir de falácias liberalóides e outras mentiras que nada mais fazem a não ser engessar o verbo. Uma critica contumaz contra aqueles que imaginam que podem tudo contra a poesia.
Não podem!
Vivemos em tempos bicudos, onde a truculência tenta vencer o argumento, uma época onde, para alguns, de nada vale o verso. Em detrimento disso querem metas, boletos e afins. Não. Não será assim.
Por essas linhas escorrerá toda indignação vinda daqueles que lutam para que se mantenham encantos ante a odes de repugnância. Um tratado de fé para quem só beija o rosto de quem dá mais valor para o beijo, do que cem mil réis.
Meu salve pra você Wally Salomão!
Falemos então de futebol de várzea.
Na cidade de São Paulo do começo do século XX, onde tudo era muito pobre nas periferias e não havia nenhuma opção de lazer, os campos da várzea do Glicério surgiram no centro da cidade. Neles, se perpetuou o que pode haver de mais democrático na pratica esportiva. Pretos, brancos, pobres, japoneses, espanhóis, alemães, italianos, libaneses, turcos, todo mundo podia chegar com seu time, ocupar o espaço público e bater sua bolinha. A coisa tomou uma proporção tão grande e tão contumaz que a partir daí se formou um estilo: o futebol de várzea.
Pelos campos de terra espalhados por todas as periferias da cidade, homens suados em suas camisas de pano grosso e suas chuteiras de pregos usavam a velha bola de capotão para criar as mais belas histórias de bola que se viu, ouviu e que não se viu principalmente. Era parte do encanto o bate papo sobre a pelota e ali se formou milhões de cronistas.
Aí o mundo resolveu mudar. Nada contra isso, imaginem. A discussão aqui é outra, falamos da distopia que vem a partir dessa mudança e o que ela ocasiona em setores da sociedade. No caso do futebol de várzea, a coisa veio em uma de suas formas mais abjetas. O campo de grama sintética.
O nome por si só já é auto-explicativo: “sintético”
Agora, em um chão de borracha, forrado por uma grama de plástico verde, com linhas pintadas por tinta acrílica, se inventou que o jogo de futebol deve acontecer sob o argumento de umas facilidades na prática da coisa. E quem disse que o futebol de várzea está atrás dessas “facilidades”? A lógica da grama sintética é perversa.
No lugar dos arrabaldes do mundo onde se podia jogar bola com qualquer duas pedras fazendo as traves, temos quadras pagas com horários pré-definidos em um troço que se chama “futebol society”. Nome auto-explicativo de novo…
Eis que um gênio desses ae resolveu levar essa porcaria para a várzea. Então, agora, tudo por lá passa a ser sintético. Os zagueiros não canelam mais seus atacantes, os chutes são de mentira, os suores são limpinhos, as chuteiras não tem mais travas e os jogos não têm graça. Um horror.
Em detrimento a isso, a crônica de hoje, muito mais que uma homenagem, será um manifesto em prol do que é verdadeiro, do que é a várzea em si. Contra toda a artificialidade de quem acha que pode estender um tapete de plástico em cima da poesia. Acho justo até que tentem. Desde que o estendam longe do futebol de várzea…