No meu mundo ideal, o Neymar teria a mesma filosofia de vida e de bola que eu. Votaria nas mesmas pessoas, teria a mesma filosofia e visão de mundo nos pontos de vista econômicos, sociais, políticos. Gostaria de Beatles e sua foto no facebook seria com uma cervejinha na mão. Não teria twitter, no meu mundo ideal.
Ele usaria chuteira preta. Cometeria erros colossais na vida, mas manteria-se firme, perto dos amigos de sempre e inclusive casado com a garota que conheceu ainda criança. No meu mundo ideal ele rejeitaria a mídia das boas noticias tão em cima. Diria o que pensa sobre a Fifa, negociaria sozinho os próprios contratos, ajudaria os necessitados sem a imprensa ficar sabendo, seria líder do Bom Senso FC e, quer saber? jogaria no Palmeiras, clube da infância, por um salário bem menor que o Barcelona paga, mas por amor, e deixaria claro que preferia o Parque Antarctica antigo.
No mundo real houve um jogador que reunia boa parte destes meus desejos. Chamava-se Maradona. Foi uma coincidência afortunada. Este jogador descrito acima não existe, nunca existiu, posto que nada mais é que um espelho de meus próprios gostos e sabores, que não podem ser projetados em um ídolo. Ter alguém para idolatrar é uma bobagem, dizem muitos e eu concordo em partes, mas idolatrar alguém apenas quando ele é exatamente como você queria que fosse, é o cúmulo da utopia.
Dito isto, o que eu tenho a dizer é: chegou a hora das pessoas acharem em Neymar um motivo para amar. Idolatrar. A Copa do Mundo em casa desperta, pela cultura esportiva que temos de culto a personalidade, a necessidade de ter um protagonista gigante. E o campo foi preparado para Neymar desde anos atrás. Chegou a perigosa hora. Não há análise futebolística sobre ele. Há o ensaio sobre a histeria refém, pedinte, submissa até. Ele parece não se incomodar com as tintas esquizofrênicas de fantasia ao seu redor. E ele precisa ser um jogador de futebol em um time de futebol, para vencer e ser avaliado, então, como tudo, herói, gênio, mártir, tudo menos jogador de futebol.
Pressão
Não importa que as boas manchetes o tratem de forma patologicamente adulante. O futebol pressiona. A bola, o ambiente, está preservado e protegido dessa gente que descarrega a própria loucura conceitual no pobrezinho do esporte que não se mancha. E Neymar sabe que está sob violenta pressão. Uma pressão imensa de ser o melhor jogador de um Brasil que joga a Copa em casa. Uma pressão que, no mundo real, ganha peso de acordo com o número de cofres lotados que Neymar guarda e movimenta. Uma pressão que, no mundo dos enlouquecidos, fará milhões de pessoas se desapontarem com o herói que não foi.
Dentro de campo é isso: Neymar tem só 22 anos. Felipão o deixa livre perto da área, Oscar se movimenta de acordo com ele, é o principal jogador tecnicamente do elenco, mas a idade ainda é fonte de alguma inconsistência possível, a temporada não foi tão boa assim pra ele, por outro lado ele jogou demais neste primeiro amistoso contra o Panamá, só que não será sempre assim, e não será um absurdo quando ele aparecer pouco.
Fora de campo, as pessoas criaram um monstro e precisam ser alimentadas das próprias expectativas. Alguns esperam o seu fracasso para chutá-lo com a mesma fome com que ele faz propagandas publicitárias, num gesto de pagar a loucura com ainda mais loucura, um ciclo destrutivo para todos os lados. Outros, e eu me incluo nisso, estão preparados para, caso Neymar falhe nesta Copa, mostrar, sem gritos nem desespero, que o futebol é o real, não o idealizado, menino, na próxima Copa, com 26 anos, tudo indica que será melhor, o jogo é o jogo, não é o que esperneiam para vender o jogo.
Eu até diria para ele fazer isso, aquilo, evitar aquilo outro, deixar de se aliar a este e aquele, mas aí eu estaria dando a ele valores meus, e ele, em via de regra, faz o que bem entender, desde que saiba que certas ações trazem loucos e suas loucuras para perto demais de sua vida, e que, no fim das contas, ele precisa se guiar pelo futebol real, não o futebol ideal.
