Por Victor Faria
Eram sete horas da manhã quando o empresário chegou ao Parque Ecológico do Tietê. Sorte sua que o presidente do clube desapareceu como se acabasse de desmaterializar-se. Era homem de fiscalizar até os minutos.
Manhã de vento brando, um pouco frio, mas sem sinais de nuvens carregadas, anunciado pouco serviço. Com uma caneta o empresário começava a anotar em suas cadernetas algumas provisões de ofertas, possíveis negócios. Anotava minuciosamente os detalhes mais gloriosos da carreira de seu jogador. Nos últimos meses dedicou-se a criar maneiras de satisfazer vontades que agradassem a todos. E ficou só.
Pouco tempo depois, erguendo a cabeça, viu que entrava para dentro do campo seu protegido, vestido com simplicidade esportiva e elegância. Até aí tudo normal. Mas acontece que o atleta chorava a cântaros, e assim tocava profundamente seu coração. Assim mesmo, até aí tudo mais ou menos normal. Mas acontecia uma coisa mais grave: o jogador trazia consigo a fama de ser um despretensioso, desinteressado com objetivos das equipes, de seus companheiros. A golpes de pescoço e das patas membranosas, Pato se rebelava, grasnando a cada instante dramaticamente.
Discreto, o empresário assumiu um ausente perfil profissional e ficou por ali paquerando o jogador. Pato passou por ele: os olhos vermelhos de choro, lágrimas escorrendo em seu rosto, os outros correndo, automóveis buzinando, aviões decolando, o futuro a esvair – um desconcerto insano. Apesar dos pesares, ele, ao passar pelos companheiros, cumprimentou-os polidamente. Tem educação europeia, salientava, aos que ali assistiam o treino.
O jogador entrou em campo com ligeiro receio, calçou com delicadeza suas chuteiras e assentou-se cuidadosamente no gramado, como se fosse um pato de dar corda.
O dever de qualquer empresário é salvar criaturas inocentes que se afogavam em promessas de sucesso e fortuna, mas dessa vez parece que o caminho se inverteu. Corria contra o tempo para salvar a trajetória conturbada do jogador em idos penais. Sabia que qualquer declaração dele poderia atrapalhar o andamento de futuras negociações.
Pato subiu desengonçado e já ia cruzando o campo, quando o treinador da equipe o abordou, num gesto seco e impecável. Foi tão depressa que ficou estatelado diante do treinador e sorriu depois com uma compreensão infinita. Admitia que temia os próximos meses, as especulações, incertezas e perseguições por suas escolhas profissionais. O treinador parecia não entender absolutamente nada.
O jogador hesitou um instante, mas teve a coragem de colocar o problema que o tumultuava. Ele explicou entre soluços: numa reunião de interesse geral haviam falado ao seu agente que se o lançassem em campo num sábado pontualmente as quatro da tarde fora de casa e ele fizesse um gol, seria recebido de volta com festa, se não conseguisse um feito, voltaria a ser tratado como ingrato e teria de se lançar ao mar. E choramingava.
Entre compadecido e sagaz, o treinador vislumbrou um pano perfeito: um quarto de hora depois voltava ao campo com Pato, branco e soberbo como um cisne de Leda.
Repetiu-se a cerimônia de lançamento de Pato ao time, e ele, para alvoroço de todos, correu para fora do gramado, e por lá ficou em evoluções mansas. O empresário, emocionado com a recepção, segurou as duas mãos do treinador, deu-lhe um beijo quase na boca, correu para a sala de imprensa a fim de convocar uma coletiva de imprensa para melhor salientar o bom ambiente de todos.
O atleta despiu incontinenti a camiseta, pousou para algumas fotos, alongou um pouco e reapareceu para a torcida. Para muitos, Pato ainda trazia consigo o alto investimento e salário, e com isso a rejeição de toda a nação alvinegra. O perdão da torcida seria o mais difícil a se conquistar.
O empresário, rindo-se de puro gosto, trouxe pato em frente às câmeras, mandou chamar o treinador e proferiu boas-novas em alto e bom som. Um discurso longo com metáforas e modulações. Como por encanto, o presidente do clube brotou do outro lado do campo, cruzou o gramado em velocidade incrível e freou a um passo dos jornalistas. Proferiu com fôlego em forma:
– Meu querido: leva este pato aqui lá em casa e manda a pátria caprichar no molho pardo. Passa aqui na volta e apanha uma nota.
Gabriel disse:
Muito bom! Gostei do texto