Por DeOliveira Junior
Pontualmente no horário marcado, lá estava ele, em frente ao portão do estúdio, portando uma bolsa em que transportava algum objeto pessoal, de traje modesto, sem nenhuma logo esportiva, assessor, segurança ou nada do tipo. Assim, encontramos aquele que anda a vagar pela cidade como mais um despercebido qualquer, que passa pelas ruas sem alvoroço, com sua costumeira cordialidade e simpatia em uma singela saudação. Mas essa não era mais uma entrevista qualquer, esse senhor modesto já esteve na cancha pisoteando o gramado ao lado de lendas da saudosa era romântica do Futebol, imagine você estar disputando uma partida contra Garrincha, Jairzinho, Pelé etc. Estar dentro da mesma demarcação de campo que esses caras carregando consigo a responsabilidade do seu time, e sendo um agente ativo dos acontecimentos e não apenas um mero espectador, por si só, já o tornaria digno de um grande feito pelo resto da sua vida.
Nascido em Rivera, cidade uruguaia separada apenas por uma linha imaginária do Rio Grande do Sul, Danilo Menezes trouxe de berço a simplicidade e simpatia do seu pago. Quando guri sonhava em um dia conhecer a tão falada Montevideo, capital do país, mal sabia ele que o destino o premiaria com uma cascata de eventos que se sucederiam de forma tão espontânea que fariam o menino humilde e desdenhado desfilar em templos lendários e ao lado de figuras lendárias do futebol.
Danilo parecia assim, um viajante ao seu tempo. Um agente ativo de tudo que acontecia, mas que não conseguia assimilar a importância de tudo que alcançara e que só conseguia sentir gratidão por tudo que estava acontecendo. A primeira ligação com a bola ocorreu no Oriental Atlético Club, localizado em frente ao Estadio Atílio Paiva de Olivera. O treinador do Decano precisava de um alguém para “quebrar um galho” em um jogo-treino, e Danilo que vivia de prontidão acompanhando os treinamentos, apenas por admiração e curiosidade, se candidatou. O que não se esperava era que daquele dia em diante despontaria um dos melhores jogadores de Rivera, cidade que viu nascer Hugo de León, Pablo Bengoechea e mais recentemente Rodrigo Mora. Mesmo assim, a mãe de Danilo não cedeu a insistência do menino em querer ser jogador daquele momento em diante, jogadores não gozavam dos prestígios de hoje em dia, nem de longe, quiçá pudesse ter o dinheiro e fama de hoje. Porém, um fator foi determinante nessa questão, o treinador era então o patrão da sua mãe e ameaçou dispensar os serviços da mesma caso não liberasse o pibe para jogar, simples assim.
Em sua estreia na Liga de Rivera, Danilo chamou atenção do poderoso Club Nacional de Football. E foi através do Bolso que o menino realizou o sonho de conhecer e morar na capital, daí em diante veio uma sucessão de acontecimentos que mudariam a vida de Danilo para sempre: Foi campeão uruguaio em 1963, disputou a final da Copa dos Campeões da América (nomenclatura da Copa Libertadores até 1964) contra o Indenpendiente e na temporada seguinte desembarcou no Rio de Janeiro, para jogar pelo Vasco da Gama. Vestindo a camisa 10 cruz-maltina, esteve no Maracanã na noite em que Pelé marcou o milésimo gol da sua carreira.
Danilo nos contou que seria titular absoluto da Celeste, pela qual disputou as Eliminatórias do Mundial de 1966, se não tivesse surgido na mesma época um monstro chamado Pedro Rocha. Após sete anos defendendo o Vascão, o Gringo foi parar em Natal para escrever seu nome na história do ABC Futebol Clube e se tornar o último grande maestro do Mais Querido. Mas por pouco essa história não tomou outro rumo, por conta de sua idade (27 anos) teria sido preterido pelo então dirigente alvinegro Severo Câmara, que em um surto de vaidade por pouco não comete uma burrice. Danilo fazia parte de um pacote de 10 jogadores que foram sugeridos ao ABC por Célio de Souza, ex-treinador das categorias de base do CRVG, contratado pelo ABC para realizar a mesma função. Tendo em vista que Alberi, ídolo alvinergro, era 1 ano mais velho que Danilo, ele pediu ao dirigente 10 dias, livre de qualquer contrato ou obrigação do clube, apenas para treinar com o time. Não deu em outra, por pura impulsão da Frasqueira, que lotava a cada treino, foi de prima o encanto e maestria do uruguaio, gracejado pela torcida e requerido no time principal.
Saudosamente celebramos o encontro com esta verdadeira lenda do esporte nacional, de fundamental importância nos grandes feitos e eventos ocorridos na história centenária do ABC, como a grande excursão de 1973, a final do Estadual de 1977, na qual ocorreu uma verdadeira batalha campal entre os jogadores do ABC com o rival encarnado, e tantos louros e títulos celebrados pela massa abcedista. Foi emocionante ouvir daquele que fazia o espetáculo o quão gratificante e próxima era a relação entre jogadores e torcedores, não havia divisa nos treinos e antes de iniciar qualquer preparação, embaixo de uma mangueira no antigo CT alvinegro que ambos se misturavam em um só, resenhavam e proseavam antes de cada treino: “O torcedor cuidava do jogador” nas palavras do Gringo. Não era necessário ser sorteado em uma ação de Marketing para estar perto do seu ídolo, simplesmente ele estava lá, todos os dias. O amor e identidade entre o clube e jogador se iniciava ali.
Danilo foi agraciado por seu tempo, por estar sempre no lugar certo e nas horas exatas, mas não apenas assistindo e sim participando de tudo que acontecia. E hoje com essa mesma maestria e cordialidade que lhe era peculiar ele vive a vagar pela simplicidade, como um personagem qualquer que passa despercebido do nosso dia-a-dia. É uma pena todo acervo daquela época praticamente não existir, suas jogadas estão vivas apenas na memória daqueles que a contemplaram. Mas deixo minha eterna gratidão e admiração ao uruguaio mais potiguar que já existiu pelos anos de serviço prestado ao Decacampeão.