Por Leandro Iamin
É certo que em um dia desses últimos quinze ou vinte anos o jardineiro do Newell´s Old Boys, de Rosário, parou por alguns segundos o seu trabalho matinal no clube social e falou sozinho, para ouvir de si mesmo aquele absurdo: “Como é que deixamos Messi ir embora tão cedo, e por tão pouco?”. Regar plantas, sua principal rotina, vê-las crescendo, tomando forma para depois podá-las, era parte do seu trabalho, e sorriu quando encaixou em sua atividade a boa metáfora sobre o que o clube rubro-negro fez com a sua maior joia. “Cortaram essa planta cedo demais”. E seguiu a vida.
Hoje este jardineiro já não corta o jardim do clube com tanto lirismo. O Newell´s Old Boys, que começou a formar Lionel Messi mas não capitalizou com isso, simplesmente se encontra incapaz de lhe pagar em dia os salários. É a realidade dos clubes que não são o Barcelona e não vivem na gema européia. Nada de muito novo para quem nunca prosperou pra valer na vida, como este jardineiro de sonhos simples, desejos discretos, um bom almoço aos domingos, uma visita surpresa da filha com a neta, o pequeno jardim de sua casa bem cuidado, e, de quatro em quatro anos, se possível, uma seleção de futebol que redimisse a angústia de, por 3 anos e 11 meses, sofrer com o Newell´s Old Boys, representação futebolística fiel de sua pobre vida.
Falando em jardinagem, a lei do plantio e da colheita salva alguns ateus, como eu, da completa desconexão com questões relativas ao destino, ao intangível misterioso ou ao que você pode chamar do que quiser, mas não pode comprovar que existe. Crer que a gente um dia colhe aquilo que plantou de bom e de ruim dos sentimentos e pensamentos e ações às vezes serve como uma visita à igreja do vizinho mais beato. Se a seleção argentina de futebol sofre com esta lei tácita, eu não sei – nem o jardineiro de Rosário. O funcionário do teatro parece ansioso pra fechar as cortinas e encerrar finalmente uma história que saiu do controle dos atores. No futebol, o fim significa sempre também um recomeço, a chegada de uma geração nova, mas não adianta pensar nisso quando estamos falando do fim de Messi. Deste não há dois.
O tempo de Messi na seleção argentina durou quatro Copas. Ainda dura, posto que tem jogo pela frente, e ainda pode durar, apesar de todos os indícios apontarem para a aposentadoria da seleção por parte do pequenino craque após os dias na Rússia. Ele volta para Barcelona em julho, e resta torcer por um vestígio de dignidade no fim deste ciclo à frente da seleção – dignidade esta arrasada por uma Croácia impiedosa. Como estão postas as coisas hoje, não está legal. Ele e seus Mascheranos Alados se vêem ridicularizados, machucados pelo descrédito nacional, açoitados pelas circunstâncias que não passam só por eles, prestes a se tornarem mesmo, efetiva e irreversivelmente, a face da geração que não ganhou nada, zero, nenhum título pela seleção argentina de futebol, sempre tão orgulhosa de suas glórias.
É curioso, pensa o jardineiro, que Messi volte para Barcelona e, de lá, assista nas redes sociais a primavera argentina, quando esta gente, apesar de toda a crise, pode abrir a janela e ver as cores de suas flores. Em Barcelona já será outono, quando secam e morrem – para renascer – as flores do jardim do craque. O jardineiro, como todo argentino que se preze, não vai abrir mão de encontrar algum lirismo no drama. Messi foi longe demais como jogador, um monumental jogador, e está perto de fazer o mesmo com sua narrativa dramática de celeste-e-branco. Ainda tem bola para rolar, e já já podemos estar falando de uma reviravolta, classificação e um espetacular Argentina x França pelas oitavas de final. Um jogo no qual Messi será a melhor versão de Messi, colocando a Argentina toda capenga, mas digna, na última semana do Mundial. Vai saber?, pergunta o jardineiro.
A França de 2006, teimosa, passou de fase sem merecer, e achou o rumo da noite para o dia. Zidane estava se aposentando, e levou o time até a final, de onde saiu com uma cabeçada em Materazzi. Já o Brasil de 2014, infame, passou de fase sem merecer e se arrastou até dar de frente com um 7×1. Querer a continuação do drama é aceitar estas duas possibilidades. É disso que se trata o jogo entre Argentina x Nigéria, terça-feira. Prefiro sempre a opção na qual resta a Messi um pouco mais de bola para jogar, mas posso estar sendo egoísta. Às vezes a hora é de fazer a poda, cortar as folhas, fechar os ciclos e plantar o novo. O jardim do futebol argentino já passou por outros invernos severos.