Por Leandro Iamin
Parte de minha família mora em um bairro pouco movimentado de São José dos Campos, interior de São Paulo. Quase nunca tem carro no caminho que faço andando da hora que desço do ônibus até tocar a campainha. São algumas faixas de pedestres e pelo menos um semáforo no caminho. Não é necessário dizer que atravesso o dito cujo sem olhar a sua cor. É evidente que posso cruzar a rua sem causar risco a ninguém, são onze da noite de uma sexta-feira, em poucos minutos um carro também passará e cruzará o sinal vermelho, é só um bairro pequeno numa cidade do interior, o último atropelamento em uma daquelas ruas deve ter acontecido muitos anos atrás.
Pois bem. Compreender que toda norma obedece contextos é diferente de acreditar que existe lei “que pega” e lei que “não pega”. Já parou para pensar em qual é a diferença, afinal, entre algo “proibido” e algo “terminantemente proibido”, ou “expressamente proibido”? Ora, proibido é proibido, mas existem coisas mais proibidas que outras? Sim, existem. Se cai a bola da criança no gramado do condomínio, não importa mais a placa “proibido pisar na grama”. Porque esse tipo de coisa, para desespero dos legalistas preguiçosos de pequenas causas, vem junto de interpretação, contexto. Por mais que doa, para viver é preciso, constantemente, pensar.
Daí que quando – e não vou entrar nesse mérito – uma federação assina que clássicos não terão torcida visitante, esta mesma federação precisa readequar as coisas ao seu redor. Não chego a dizer o que um velhinho dizia, que quando uma merda é feita, dez merdas são necessárias para consertá-la, mas é claro que tirar a torcida visitante de um clássico, esvaziando assim o significado do jogo, demanda outra leitura, de outro ângulo, de quem media o, vá lá, espetáculo. O efetivo policial, por exemplo, tem outro planejamento, certamente bem mais simples, do jeito que eles gostam, tendo que trabalhar o mínimo possível. E o árbitro?
O árbitro não recebeu a informação que era óbvia, e não está convidado a pensar por si. O árbitro é um pedaço do costume atrasado de enxergar regras sem enxergar pessoas, aquela coisa do cumpra-se e pronto, se colocarem no Morumbi uma placa “proibido pisar na grama” ele expulsa os 22 jogadores, e se um jogador marca um gol e comemora provocando uma torcida que não está lá, ele pune como se estivéssemos tratando de um estádio meio-a-meio.
Pois foi isso que aconteceu: um jogador foi punido por provocar uma torcida proibida de estar no estádio. A determinação, que nasceu como reação à uma suposição de que a escalada da violência passava pelo exemplo negativo dos atletas, tem como raciocínio central evitar que um grande número de pessoas se revolte e atire coisas no campo, invada o gramado ou promova algum quebra-quebra. Um raciocínio que perde todo o sentido em jogo de torcida única. Pois regras conversam com regras, uma inviabiliza ou ridiculariza a outra, a criação de uma afeta a existência da outra, mas talvez isso seja difícil demais para federações e árbitros entenderem.
No fim das contas, é isso: o torcedor está proibido de ir ao estádio, mas é tão respeitado pelas autoridades que não pode ser provocado. Nem à distância!