Por Victor Faria
Na manhã daquele dia as notícias corriam como homenagens em periódicos de todo o mundo. Há exatos 65 anos ele fora o responsável por calar a multidão de um estádio, o grito crescente e glorioso de uma nação que aguardava o título mundial.
O lance do gol, repetido nesta data comemorativa com afinco, mudaria para sempre sua maneira de entender o mundo, perceber a vida. Se pudesse de alguma maneira não efetuar aquele chute, com efeito faria.
Quantas foram as lamentações proferias pelos filhos órfãos de uma pátria de chuteiras. Imensurável a dor presente de uma vitória ausente.
Em forma de pesadelo íntimo, Ghiggia recordava constantemente o lance vivido em campos cariocas. Por vezes podia ouvir o grito de gol de seu adversário, o empate arrancado com suor e lágrimas, a fé oriunda de mãos, cabeças e pés rivais. A fácil defesa de Barbosa. O tempo a correr a favor dos donos da casa.
O sentimento que acompanhou a trajetória de Alcides Ghiggia é de conhecimento geral. O arrependimento fincado em sua memória mesmo tendo todo o destino a seu favor. Tinha certeza que a felicidade alheia seria maior que sua glória pessoal.
Quantos brasileiros sonharam em vão, assim como ele, com a vitória em casa, no Maracanã lotado e recém-inaugurado. Sonho que perseguia Alcides por longos anos e se tornava mais forte e presente justamente nos dias em que a vitória uruguaia completava anos.
Naquela manhã Ghiggia ainda dormia. Desenhava em perfeita harmonia e simplicidade a famigerada jogada. Caprichosamente seu chute beliscara a trave, num desvio de memória a bola percorrera vagarosamente a extensão da linha até beijar a trave oposta e morrer no gramado. Barbosa, sem maiores dificuldades, efetuara a defesa. Mais tarde diriam ser a defesa mais fácil e importante de sua trajetória. A angústia do time uruguaia não fora, em momento algum, notada. Perto do apito final, mais um gol brasileiro, não havia mais tempo para dramas ou reviravoltas. O estádio em euforia, a torcida em transe, um país em festa. A esperança celeste se encerrara antes mesmo do informe oficial. Nas ruas da cidade a alegria era evidente, todas as casas, salões e botecos festejavam o inédito título nacional. Durante dias não havia assunto que não os feitos dos campeões mundiais.
Seu desejo, compartilhado com milhões de brasileiros, se realizara em sonho. A angústia e a tristeza que o acompanhava a cada aniversário não mais se repetiriam. Enfim seria esquecido pelos males causados a toda uma geração e talvez fosse lembrado apenas pelo chute perdido no final do segundo tempo. Quem sabe seria este seu maior feito, um chute de perfeito defeito. Seria amado e reverenciado por todos os brasileiros.
No último 16 de julho, Alcides Ghiggia não atendeu aos pedidos incessantes para que levantasse. Não acompanhou as justas homenagens que o aguardavam, nem agradeceu aos colegas de time pela glória em grupo alcançada.
Neste dia Alcides não amanheceu. Partiu pra contar aos seus a trajetória de seu sonho particular. Passado tantos anos o destino lhe reservara um novo final, o seu final, apesar de todo desgaste de tema e memória. Alcides partiu para encontrar sua felicidade em campos celestes e celestiais.