Por Marcelo Mendez*
Na ensolarada tarde de sábado poucos notaram o camisa 18 do time de amarelo no campo do Ferrazópolis.
Para falar a verdade nem mesmo o cronista o viu.
No entanto, as coisas da várzea não são por assim dizer, tão calmas aos olhos dos que esperam uma passividade dos acontecimentos. São vezes em que a história salta aos olhos e se faz por ser vista. Mesmo quando o observador não se atém para o fato em si, o fato então se arvora em uma presença digna de um blues em seu maior estado melancólico e então, vem às vistas.
Assim foi com aquele camisa 18.
Eu estava por lá, por conta de outra pauta e minha atenção percorria por outros versos e prosas. No campo do Ferrazópolis, em São Bernardo, encontrei muito mais que uma reserva poética. Trata-se de uma resistência de fé e arte, de luta e sonho. Um campo de futebol de várzea à beira de um morro adornado por árvores e outros verdes e prensado por um suntuoso shopping center a tomar toda a encosta de uma das vias principais da cidade.
Assim como o camisa 18, que poucos viram, não são muitos os que notam a importância de um campo de terra incrustado no meio do bairro. Sua presença é tanto poética, quanto inconveniente aos olhos dos pragmatas da grana.
Em meio a toda sanha da especulação imobiliária, lá resiste então um campo de terra, ousando ser democrático, tendo a petulância de dar a quem não tem quase nada, um pouquinho de chão para tentar se ter alguma alegria, mesmo que sazonal.
Pensava nisso enquanto falava com Andris Bovo, o companheiro de pauta, amigo fotógrafo com rosto de Stevie McQueen e seus indefectíveis cigarros Lucky Strike, quando passei os olhos pelo campo no jogo preliminar àquele que eu cobriria.
Era um jogo de festival de várzea. O match terminou empatado então a disputa seria decidida em pênaltis para que se soubessem quem levaria o troféu em questão.
Não dá para dizer que seria necessariamente a coisa mais importante para vida daqueles meninos e suas chuteiras coloridas. Em um mundo cada vez mais duro, insensível, cruel, qual é a importância de um troféu que se ganha em uma disputa de pênaltis na várzea? Quem ficará com ele? Onde vão guardar? E aê vem a pergunta que mais machuca:
“De que vale isso??”
Para quem não se importou então para o real valor da coisa, lá se foram para a disputa. Todos ali estavam relaxados, tranquilos e serenos. Menos o camisa 18…
Enquanto esperava por sua vez, ele roeu unhas, ergueu as mãos para os céus e acreditou estar mesmo fazendo parte de algo que era grandioso. Quando chegou sua vez, foi convicto do que deveria fazer, bateu bem; goleiro de um lado e bola do outro… Na trave.
Quando a cobrança de pênalti do nosso camisa 18 encheu a trave tudo se decidiu e o possível incômodo troféu foi então para o time adversário. E enquanto os vencedores comemoravam discretamente, o nosso 18 sofria…
De cabeça baixa pelo campo, seu andar era devagar, como de quem carregava todas as culpas do mundo nas costas. Estava realmente triste, pesaroso e assim seguiu até os vestiários sem muito chamar atenção. A sua dor era única em seu momento. Poucos viram.
Assim como o campo do Ferrazópolis, o sentimento do menino camisa 18 não interessa muito ao mundo dos objetivistas. Vai se dizer “Bola pra frente” e ele pensará “Sim pra frente, desde que não seja na trave.”
Naquele sábado ensolarado, o camisa 18 chorou.
Mas poucos viram…
*publicado originalmente no ABCD Maior