No documentário “Geraldinos”, do qual assistimos a uma prévia após o último Titulares (ouça o programa com a participação do diretor do filme, Pedro Sabeg), é com as palavras que entitulam esse texto que um funcionário do marketing do Maracanã descreve a assassinada Geral, afim de justificar seu argumento de que “ninguém sente falta de verdade dela”. O funcionário (desculpe-me por esquecer seu nome) evidentemente não entende nada só de geral ou de futebol: também não entende nada da vida.
Um ambiente perigoso e insalubre não é repulsivo, mas sim desejável: nossos prazeres estão intimamente ligados a eles. Um ambiente seguro e estéril inibe a interação humana e o surgimento de qualquer sentimento real. O perigo e a insalubridade, além de servirem como estímulo à humanização, muitas vezes são também fonte de prazer. Imagine como seria o sexo se não fosse suado, cheio de trocas de fluidos corporais e cheiros dos mais variados (alguns dos quais convencionou-se que não se conversa socialmente, mas todos com um papel). Descer a ladeira da rua da sua avó no carrinho de rolimã não teria sentido sem a possibilidade de uma queda e alguns ossos quebrados. Já o prazer de uma descoberta desaparece se sabe-se de antemão que não há nada perigoso ali. E o queijo quente da padaria, como ficaria sem algumas gotas de suor do chapeiro?
Arquibancada (e Geral) tem que ser perigoso, tem que te dar a liberdade de se machucar (seja através do cimento ou de um gol rival aos 48 do segundo tempo – ou isso será proibido também?). Arquibancada tem que ter aglomeração, interação e mistura humana, tem que ter um cheiro que surja dela (e não, senhor marketeiro, um cheiro que você espirre lá antes dos jogos não dá na mesma). Arquibancada tem que te envolver com os 5 sentidos, tem que te tirar desse mundo e te transportar prum plano superior (não acontece sentado numa cadeira). Arquibancada tem que ser sexo sem camisinha e gozando dentro. Foda-se a segurança e a salubridade, eu vou ao estádio para viver algo que não encontro no shopping center.
“Interesses da sociedade”
Em outro trecho do filme vemos um vereador respondendo aos pedidos de paralisação do processo de concessão do Maracanã com o argumento de que “não pode deixar que o desejo de um grupo se sobreponha aos interesses da sociedade”. Não conheço ninguém que tenha medido tais interesses, mas fica claro durante o filme que se retirou parte da sociedade que estava feliz e tinha na Geral algo sagrado para dá-lo a outra parte que raramente o frequenta (só quando o time está bem e o cinema está mal) e ainda o faz de maneira profana, tudo para que um grupo com interesses puramente comerciais ganhe dinheiro (grupo este que poderia muito bem empreender em outra área).