Sinceramente, desisti do Corinthians e do futebol em geral há anos. Só há uma centelha daquela paixão de garoto que ainda me faz ter vontade de assistir ao jogo pela televisão – na arena nova só fui em um jogo da Copa. O último jogo do meu time que estive presente foi no saudoso Pacaembu. Não tenho vontade nem dinheiro para acompanhar este novo futebol business com frequência – sou “só” torcedor, não quero ser sócio de nada. Hoje em dia, num jogo, não se pode tirar a camisa, ficar em pé, beber e fumar. Ademais, não sou expectador. Definitivamente, isso aí não é pra mim.
Mas essa questão eu tenho um sentimento de que superei. Muito em parte porque eu tinha a Associação Atlética Anhanguera, meu tradicionalíssimo time da várzea paulistana, glória da Barra Funda, e ali depositei toda a esperança que eu tinha no futebol. Foi lá que me avô estreou com a camisa 3 do primeiro quadro em 1933, lá onde jogaram meu pai e meus tios e onde fui criado com meus irmãos. Todos os sábados e domingos, ano após ano, lá estávamos nós jogando bola, escalando muros, empinando pipa, soltando balãozinho galinha-preta, alimentando a rivalidade contra a molecada do Bom Retiro, tendo medo de apanhar dos meninos mais velhos, trocando figurinha, apreciando a batucada à beira do campo, assistindo a quebra-paus históricos, convivendo com jogadores de baralho e dominó, participando da vida do bairro e entendendo os mistérios e segredos dessa tradição tão nossa que é o futebol de várzea.
Aos poucos, por vários motivos, essa beleza foi também se acabando. Porque a modernidade, ou pelo menos o discurso dela, chega até no brejo. Os campos foram dando lugar à especulação imobiliária, muita gente mudou do bairro, as crianças não saem mais de casa – ou do condomínio – pra jogar bola, etc. Mas ai como o que é ruim pode piorar, a nova onda é acabar com o campo e botar um tapete sintético no lugar, é destruir o terreiro de terra batida ou de cimento, onde fica o bar do clube, para por piso frio, é não louvar os pioneiros, é desconsiderar e desconhecer a própria história. É cultivar um simulacro de várzea que mais parece uma reunião de condôminos de um clube de classe média alta para jogar bola entre si aos finais de semana, onde aquela iniciação pela ginga e pela habilidade dá lugar a um “público selecionado”. Abrem-se cada vez mais as portas para um futuro asséptico, moderno e indigno. E o discurso que opera esta lógica domina corações e mentes, tendo raras vozes a se levantar contra.
Enquanto botarmos abaixo o que devia ser tombado pelo patrimônio histórico – material e imaterial -, enquanto não entendermos que uma grama sintética e um piso frio assassinam uma parte importante da conformação social que fundamentou a vida de bairro na nossa cidade, enquanto seguirmos “pra frente” perdendo de vista o que somos, vamos bater cabeça e ter pouco a ensinar e a desencantar as novas gerações. E o terrão, neste caso, é fator primordial. Que outros clubes varzeanos que ainda sobrevivem se atentem a isto.