Por Leandro Iamin
Malícia e Moral.
Uma vez um velho desses que figuram a várzea me chicoteou com essa: sabe por que calção de time de futebol não tem bolso? É porque quando você farda, moleque, não interessa sua carteira, sua identidade, dinheiro, você não leva nada pra dentro de campo.
E é isso aí, mesmo, velho, a gente veste um número e uma cor, e mesmo que esvaziem o sentido dos números, cada vez menos camisas 11 e cada vez mais camisas 84 em campo, e por mais que mutilem o sentido das cores, o alvinegro que veste azul e o alviverde que vai de roxo, em campo eu não posso mostrar meu RG para entrar na área nem fazer um gol no débito do meu vermelhinho do Santander. O ideário de que em campo são 11 contra 11, e tudo fica do lado de fora, e você é só um décimo, menos que isso, de um corpo coletivo, deveria estar na lousa de qualquer vestiário de time juvenil.
Que isso de colocar a vida em jogo é balela, quando a gente joga o jogo de bola a gente não joga o jogo da vida, a narrativa é simbólica, a disciplina é simbólica, são regras que emulam em certa medida a vida, você vive debaixo das regras do jogo, formando a barreira ou pegando fila no cartório, mas ainda é o jogo um período de 90 minutos onde você não deve, na verdade não pode, levar para a cerca de cal coisas que estão do lado de fora. O jogo é o jogo.
Arsene Wenger, ainda técnico do Arsenal, diz, no excelente filme Les Bleus, que é um erro acreditar que você paga mais um jogador para que ele te obedeça mais. Na verdade, diz ele, quanto mais você paga, mais você precisa tratá-lo como um milionário. Quanto mais investe, menos valem as regras coletivas, de rotina, treino, convivência, hotel, vestiário, mesa de jantar, horários, alimentação, redes sociais. Em suma, o jogador de ponta do esporte mais popular do mundo nunca ganhou tanto dinheiro em relação ao trabalhador médio, e isso o afasta não só da realidade física deste trabalhador médio, que, por ventura, é o torcedor que banca sentimentalmente tudo isso, mas, sobretudo, afasta sua conduta da trama simbólica que o futebol entrega ou deveria entregar às suas testemunhas.
E essa quem me disse foi quem trabalhou para um zagueiro que, anos atrás, jogou no São Paulo: quando começou a carreira, instruíram o moleque a, nos jogos com tevê, sair de maca uma ou duas vezes. Sabe por quê? Ora, claro, para que ele recebesse close da câmera, aparecesse seu nome no gerador de caracteres da telinha, o telespectador teria contato individual com seu rosto e nome, identificando-o melhor na jogada seguinte. Quem fala uma coisa dessa para um atleta de 18, 19 anos, merece o quê?
No fim das contas, jogador de futebol precisa saber dosar malícia e moral. O código do futebol, para quem joga, pode não parecer, mas é claro. O tal do Fair Play foi uma tentativa da FIFA de controlar uma comunicação que é dos jogadores. Claro que a FIFA esvaziou esta comunicação, atrapalhou o que era resolvido pelos próprios atletas, criou um campo de bondade oficial que expulsou de campo a espontaneidade. Estamos criando os primeiros frutos deste controle charlatão, mas plantando hectares de discórdia a troco de nada.
Malícia e Moral. Rodrigo Caio já cavou falta, já xavecou e pressionou árbitro para obter alguma vantagem, já esperou a maca entrar em campo sem ser necessária tal intervenção. Que não o chamem de hipócrita na próxima vez que usar de algum destes expedientes normais em um jogo de futebol. A régua é deles, o código de conduta se estabelece dentro de campo, não no Twitter. Se achou que o péssimo árbitro Luis Flavio de Oliveira errou feio demais ao dar cartão para Jô, teve a moral de informar, achou que era um erro grosseiro demais para ocultar a realidade, e isso não é nada de tão incrível assim. Provavelmente não faria o mesmo caso Jô chegasse de forma espalhafatosa na jogada, dando pelas imagens em HD a possibilidade de dúvida sobre o tal pisão no goleiro. E estaria tudo bem também.
Não descobrimos ontem que todos os jogadores de futebol são imorais. Não duvide que Rodrigo Caio pode ser bem malicioso quando lhe convier.
Francisco Aviz disse:
Iamin, obrigado!
Durante a transmissão do jogo, enquanto estava puto com o time e o resultado adverso, ainda tinha que ouvir a cada 5 minutos o patético Milton Leite pregando que o Globo Esporte é responsável pela “mudança para o bem” dos jogadores brasileiros. Que um tal quadro – que não sei o nome – é o divisor de água disso. Rodrigo Caio, o bom moço de apartamento, que, aliás, permitiu o gol de Jô, pelo menos, recusou ir nesse teatrinho armado para ele na rede de televisão que monopoliza o poder no país, desde quando ganhou vida pelas mãos sujas de sangue da ditadura Militar.
Gostaria de compartilhar a reação espontânea de minha mãe, que julgo ter índole e caráter, no momento em que soube que o zagueiro tricolor assumiu o pisão e pediu para que o apitador (corintiano) retirasse o cartão do bom centroavante adversário. “O QUE? TÁ DE BRINCADEIRA! É FUTEBOL AMIGÃO, VOCÊ JOGA PARA NÓS, NÃO PRA ELES”, bradou minha querida mãe, com uma sinceridade absurda.
A mídia, em geral, quer transformar Rodrigo Caio em líder de uma guinada ética e moral no Brasil, como se seu ato, que é louvável, fosse um marco para o fim da corrupção. Mas como ele próprio disse, “não foi nada demais”…
Quem joga qualquer pelada, até mesmo o 2 contra 2 com goleiras de chinelo, e não vive apenas de futebol pela televisão, sabe que dentro de campo, como você, grande Iamin, escreveu, a história é outra, a vida é outra e o que defendemos é o Futebol, sua poesia, nossas cores, nossas chuteiras pretas e o ser humano que veste a mesma camisa que a nossa.
Não sei se serei lido, mas espero não ter enchido linguiça e possa ter contribuído.
Saudações Tricolores!
Tainá disse:
Concordo contigo, Iamin!
E, Francisco, eu te li também. Apoiado!
Saudações Tricolores!