“Abastece o avião”

*Por Maurício Targino

Aqueles que mandaram abastecer o avião são um retrato fidedigno de um país chamado Brasil

Depois de meses de comoção, Força Chape pra lá, Vamos Chape pra cá, finalmente um pequeno grupo mostrou um comportamento “digno” (que se frisem as aspas) do que é o verdadeiro brasileiro contemporâneo.

Sim, é da pequena parte da torcida do Criciúma que cantou “Ão, ão, ão, abastece o avião” em “homenagem” (não deixem de frisar às aspas) à Chapecoense, durante partida entre as duas equipes pelo campeonato catarinense.

É hora de esquecer todo aquele carinho e empatia diante da tragédia que abalou o mundo naquela madrugada no final de novembro de 2016. Respeitar a dor não é coisa de brasileiro. Usá-la como “arma” para tripudiar alguém – como um rival futebolístico, por exemplo – tem mais a ver com esse Brasil que, nos tempos de Ary Barroso, cantava e era feliz.

Já foi diferente. Quando o árbitro – frise bem, ÁRBITRO – Dulcídio Wanderley Boschilia apitou uma final de Campeonato Paulista menos de 20 dias após sofrer um acidente de carro no qual a esposa morreu, foi aplaudido no estádio pelas torcidas de São Paulo e Corinthians no Morumbi.

Menos de uma década depois, parte da torcida do Flamengo cantou “Ó vascaíno, por que estás tão triste, mas o que foi que aconteceu? Foi o Dener que bateu o carro, se enforcou no cinto e depois morreu” nas arquibancadas de outro finado, o Maracanã. Daí adiante, foi ladeira abaixo.

Mas voltemos a Santa Catarina, onde começou nosso texto. Antes da “zoação” (aspas frisadas, por gentileza) chegar à arquibancada, a “bravata” já tinha começado com o vice-presidente do Marcílio Dias soltou a pérola de que o avião do seu time não precisava cair para que o clube se tornasse uma potência.

Ou seja, mais que uma declaração infeliz, o “estamos vivendo nossa tragédia particular, que é o rebaixamento” dito por um dirigente do Internacional poucos dias após o acidente, foi um prenúncio.

Em terra de Hucks, Gentillis, Sheherazades, Bolsonaros e afins, fica difícil entender como zombar do sofrimento alheio ainda causa surpresa ou indignação para alguns.

 

*Maurício Targino é jornalista, faz parte da bancada do Baião de Dois, na Central3, e assina a coluna Tarja Preta

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