Decidi escrever este texto apenas para pontuar algumas questões que aparecem nos debates que envolvem o futebol nordestino. Longe de mim querer escrever algo definitivo. Minha intenção é tão somente reunir alguns pontos de vista que sirvam como elementos para os nossos debates do dia. Mas vamos direto às questões que quero trazer.
O ano de 2017 ficou marcado como um ano de muito sucesso para a renovada Copa Nordeste. Neste mesmo ano, Bahia e Sport protagonizaram uma das maiores finais da história desta competição, afinal entraram em campo nada menos que 5 títulos, sendo 3 do Sport (1994, 2000 e 2014) e 2 do Bahia (2001 e 2002). Haveria muito o que se comentar sobre esta nova fase da Copa Nordeste, retomada em 2013, mas, por ora, quero me deter um pouco nos conflitos que emergiram entre a diretoria do Sport e a Liga do Nordeste do ano passado para cá.
Tudo começou quando o Sport anunciou que não disputaria a Copa do Nordeste de 2018. E de fato não participou, tendo anunciado há poucas semanas, inclusive, que não disputaria também a Copa do Nordeste de 2019. Como justificativa, a diretoria do Sport, capitaneada pelo Presidente Arnaldo Barros, tem alegado reiteradamente duas justificativas: a primeira delas é que a competição não seria rentável para os clubes. A segunda seria a maratona de jogos a ser enfrentada, considerando os parcos recursos para os clubes nordestinos poderem disputar, em grande nível, várias competições simultâneas.
Antes de mais nada, quero reforçar aqui o que tenho dito e me posicionado firmemente: me considero no campo de oposição à gestão atual do clube, tocada pelo Arnaldo Barros. Tenho muitas críticas e acredito fortemente que eles têm posto a perder muito do que conquistamos nos últimos anos. Dito isto, e explicitada minha posição enquanto torcedor diante da gestão atual do clube, retomo o título deste texto: não há mocinhos nesta disputa entre a diretoria do Sport e a Liga do Nordeste.
Feitas as considerações, vamos ao central. As duas críticas levantadas pelo Sport têm base concreta na realidade e merecem ser destacadas. A primeira delas é com relação ao fato de ser uma competição que não compensa financeiramente falando. E é verdade! Não são poucas as vezes que os representantes da Liga e o canal responsável pela transmissão televisiva repetem que a Copa Nordeste é a principal competição do 1º semestre do futebol brasileiro. Afinal, atinge um grande público-alvo, diferente dos localizados estaduais. Mas eu me pergunto que importância é esta ao analisar os números relacionados às cotas televisivas em comparação com outras competições do mesmo período. Vamos a eles:
Considerando os clubes que receberiam potencialmente a maior cota na Copa Nordeste (Santa Cruz, Bahia, Vitória e Ceará), temos um valor mínimo de R$ 1 milhão, podendo chegar no máximo a R$ 3,5 milhões para quem eventualmente chegasse ao título de um destes clubes. Destaco que nenhuma equipe conseguiu chegar a este valor, afinal a competição foi ganha pelo Sampaio Correia, do Maranhão.
Agora vamos para as comparações. O Campeonato paulista distribuiu ao total, segundo números do ótimo blog do jornalista Cassio Zirpoli, um total de R$ 109,3 milhões. Deste valor, fora os R$ 17 milhões recebidos pelos 4 maiores clubes, temos uma cota de R$ 5 milhões, recebida pela Ponte Preta, e uma outra de 3,3 milhões, recebida por cada um dos demais clubes, como Red Bull, São Bento, Mirassol e todos os outros. Trocando em miúdos, podemos dizer que os menores clubes do campeonato paulista recebem apenas pela participação mais ou menos o mesmo valor que os maiores clubes do Nordeste se conseguirem chegar ao título. Ou, se preferirem, comparando as cotas de participação, vemos que até o Mirassol recebe mais de 3 vezes o valor recebido por Bahia, Vitória, Ceará ou Santa Cruz pela participação em cada competição.
Saindo do campeonato paulista, vamos para o Carioca. Os 4 maiores clubes receberam R$ 15 milhões cada um. Mas Boa Vista, Madureira, Nova Iguaçu e Volta Redonda receberam r$ 4 milhões apenas pela participação! Mais uma vez, trocando em miúdos, significa que cada um destes clubes recebeu 4 vezes mais que os maiores clubes do Nordeste pela participação no Nordestão.
E poderíamos até ir mais longe, como a cota de R$ 1,5 milhão pela participação de Juventude e Brasil de Pelotas no Gauchão ou a cota de R$ 2,9 milhões para o América pela participação no Campeonato Mineiro. O fato é que há uma incongruência no discurso entre a viabilidade da Copa Nordeste, no seu formato atual, e o valor recebido pelos clubes. Tenho uma suspeita de que há quem esteja ganhando bastante dinheiro com esta competição e, ao que aparece nos números, não são os nossos clubes de futebol.
A segunda questão a que quero me referir é sobre a maratona de jogos a que estão submetidos os nossos clubes ao longo do ano. O Sport em 2017 foi o clube brasileiro que mais disputou jogos: foram 81 distribuídos entre Pernambucano, Copa do Brasil, Copa do Nordeste, Sul-Americana e Brasileirão. Houve um momento em que o clube disputava as 5 competições de forma simultânea! É muito irreal pensarmos que um clube com as condições financeiras dos nossos conseguirão manter alto nível com tantos jogos. Tal maratona é complicada até para os clubes com orçamento várias vezes maior que conseguem montar planteis mais completos. Definitivamente não é o caso dos nossos. Este ano quem está sofrendo com isso é o Bahia, que a despeito de possuir um bom elenco, não consegue se firmar em nenhuma das competições. Não à toa tem sinalizado com várias ponderações à atual Copa Nordeste.
Pretendo finalizar agora, pois o texto já está saindo bem maior do que planejava. Mas tenho convicção que nesta história toda, reforçando, não há mocinhos. Fui contrário a saída do Sport da Copa Nordeste, me posicionando junto ao Movimento Democracia Rubro-Negra em discordância com a posição de Arnaldo Barros. E acredito piamente na força dos clubes nordestinos e na sua viabilidade, conhecendo de perto a força de cada uma de suas torcidas. Mas não sei se o caminho passa por entrar no jogo desta disputa entre Rede Globo e a Turner, dona dos canais Esporte Interativo. Precisamos trabalhar esta unidade paralela à uma reconstrução do calendário do futebol brasileiro. Não dá para fazer arrumadinhos que sobrecarreguem os nossos clubes, sem compensação financeira, e achar que este caminho resolverá os nossos problemas. Não resolverá. E seguiremos penando e sofrendo diante de uma situação financeira cada vez mais distante de outros grandes clubes do país que vão se cristalizando em outro patamar.
Aristóteles Cardona Júnior é médico de Família e Comunidade e professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco.