Em véspera de Copa, o “Som das Torcidas” passou a ser semanal até o final do torneio. O programa vai trazer uma serie especial sobre os cantos de torcida das seleções que irão participar da mais importante competição do planeta. Participo deste projeto ao lado do indefectível Leandro Iamin e “el professor” Matias Pinto, um legítimo especialista em cultura sul-americana e profundo conhecedor das hinchadas sudacas. Não por coincidência, o primeiro programa foi sobre os cantos uruguaios da celeste do coração do nosso gaúcho doble chapa*. Ouça o programa aqui
A segunda edição tratou da torcida do English Team com todas as peculiaridades destes excêntricos insulares, loucamente apaixonados por sua seleção. Ouça clicando aqui a edição #38 referente à Inglaterra.
Apesar dos ingleses terem inventado o esporte, possuírem a mais velha federação e a mais antiga seleção, o time dos três leões tem um currículo pra lá de medíocre. Diante disso restou aos torcedores utilizar um trunfo fora das quatro linhas: As suas vitórias bélicas diante dos rivais. Vale lembrar que a ilha só fora invadida duas vezes na história e há muito tempo atrás. A primeira foi no longínquo ano de 43 DC, pelos romanos (batizando-a de Britannia) e a segunda pelos normandos na batalha de Hastings, em 1066, liderada por Guilherme, o Conquistador. Desde então, os ingleses puderam estufar o peito e falar que nunca mais foram invadidos! E olha que não faltou oportunidade, como por exemplo, a tentativa da invencível Armada espanhola e as Blitz de Adolf.
Sabemos que os ingleses possuem um humor bem peculiar, o qual divide o apreço das pessoas de todo mundo. Há quem ame e há quem não ache a menor graça. No entanto, todos concordam que o british sense of humour é uma característica marcante deste povo e que desempenhou um importante papel no psicológico coletivo diante das tragédias vividas. O remédio foi sempre rir de si mesmo e das suas desgraças. Voltando ao futebol, enquanto a tradicional rivalidade futebolística da Inglaterra é com a Escócia e da Alemanha é com a Holanda, a ardente animosidade entre ingleses e alemães aumentou significativamente depois da Copa de 66, temperada pelos dois conflitos mundiais que deixaram enorme sequela entre ambos os povos.
Dentro de campo, a Mannschaft humilha a rival se levarmos em conta os números: Tri campeã do mundo, 4 finais disputadas e 4 semifinais, na Euro foram três taças e três finais. Por outro lado o English team venceu “apenas” uma polêmica Copa do Mundo, em casa, no ano de 1966 e um mísero terceiro lugar na Euro de 68. Com pouquíssimos argumentos futebolísticos para achincalhar os poderosos arquirrivais, os torcedores ingleses tomaram emprestadas conquistas fora das quatro linhas. Pegaram as vitórias nas duas grandes guerras e colocaram junto da única Copa do Mundo conquistada diante da própria Alemanha na final de Wembley (4 x 2).
Resultado disso foi o famigerado canto criado pelos politicamente incorretos english fans: One World Cup and two World Wars!
A música foi idealizada com base na melodia de Camptown Races, (música e letra de Stephen Foster de 1850), ouça uma versão de Johnny Cash clicando aqui
Há igualmente uma outra versão, com a mesma melodia, tão carinhosa quanto a primeira : “My grandad shot your grandad”, (Meu avô matou o seu avô), fazendo alusão a geração passada que lutou na guerra. Várias fontes citam o final da década de 60 como sendo a época do surgimento desta exultante canção.
Don’t mention the war
Apesar da tiração de sarro, é famoso na terra da Rainha o tabu que o inglês sempre tem de conversar sobre a Segunda Guerra com um alemão. Seja por educação ou pudor, o inglês sempre se incomodou com este assunto diante do ex-inimigo. Don’t mention the war sempre fora um importante recado para os desavisados. A expressão foi até tema de brincadeira no seriado Fwalty Towers do ex-Monty Python John Cleese. Assista um trecho do seriado clicando aqui
Curiosidades
A canção já gerou até motivo de preocupação por parte do governo britânico, antes da Copa do Mundo de 2006, na Alemanha, o Foreign and Commonwealth Office fez um apelo aos torcedores ingleses para que não cantassem a música em território alemão. Jogadores ingleses como David Beckham, Wayne Rooney e Frank Lampard participaram de uma campanha pedindo aos torcedores que respeitassem os anfitriões. Obviamente o apelo não fora cumprido. Depois de alguns goles da boa cerveja do rival, os ingleses esqueceram por completo as solicitações e provocavam os chucrutes pelas praças das sedes daquela Copa.
Já durante o Mundial de 2010, a operadora de celular sul-africana MTN promoveu um comercial televisivo brincando com a música. No vídeo, um menino sai do quarto do hotel ao lado de seu pai cantando faceiramente a canção recém ensinada pelo progenitor, quando o elevador chega no andar, a porta abre e ambos se deparam com o elevador cheio de gigantes germânicos. Assista o comercial aqui
Futebol nas trincheiras
Contudo, a histórica rivalidade teve um momento singular e foi o futebol o grande protagonista. Foi durante a Primeira Guerra Mundial, um cessar-fogo não oficial foi anunciado no dia de Natal de 1914, quando o exército britânico e as tropas alemãs abandonaram suas trincheiras e participaram de uma pelada, envolvendo centenas de soldados ao longo de muitos quilômetros de front. O evento ficou conhecido como The Christmas truce.
http://www.youtube.com/watch?v=oODjeoRbAp8
Não havia regras claras mas só a vontade de passar um natal em paz .
Foto original de soldados ingleses e alemães em 1914 antes da famosa pelada
*Matias Pinto vem de família gaúcha da cidade de Santana do Livramento, um autêntico gaúcho da fronteira, por isso o doble chapa e o apreço pelo país vizinho.