De repente, me deparo com uma postagem no Twitter de um amigo que reclama dos gritos insistentes de “Bicha!” no estádio de futebol. Eram direcionados por sua torcida ao goleiro do time adversário. Novidade nenhuma o tal grito. Futebol, a gente sabe como é. O cara é hétero e disse que ofensas assim não cabem mais nem no futebol, que chega de incentivar um ranço que amola a faca da violência e da baixa autoestima. Não no goleiro. Se for hétero, sai na ducha do vestiário. Mas em quem realmente é homossexual e mais uma vez se vê vendido como ofensa.
Veio uma goleada contra a reclamação. “Mimimi”, “o mundo tá chato”, “tire o politicamente correto do futebol”, “é para desestabilizar mesmo. Teve um outro que questionou por que o grito de “Bicha” seria tão importante para a torcida. Novamente, respondido com as expressões memes de sempre.
Arrisco a resposta com o “é para desestabilizar mesmo”. Ou seja, se sabe que é pedrada, que mesmo quando negam ser só brincadeira, sabem que é pedrada.
A ofensa homofóbica é um utensílio multiuso. Não só magoa o ofendido, o desestabiliza, como fortifica o ofensor, o promovendo. Reforça que o normal, o aceito, o perfeito, é o hétero. E que agredir homossexuais é legítimo e moral.
O estádio é um espaço importante para os homens. Onde eles se acumulam, extravasam, são cúmplices e se reconhecem. Onde socializam. Onde se constroem e se exageram como homens, como héteros, como os que ocupam o topo da hierarquia das masculinidades.
O futebol embute competição, que lembra combate, guerra, que sugere violência, que acaba, vez por outra, chegando na briga mesmo. “Time de guerreiros”, “Zagueiro macho”. Tudo que remete ao homem, à macheza. Tudo o que honra. “Boneca”, “mulherzinha”, “bicha”. Tudo o que remete à mulher, á feminilidade, à homossexualidade.
No estádio, o homem reforça que homem nem de longe pode lembrar nada que não seja viril, macho alfa. A aversão a gays é valorizada e estimulada. Ela valida que o cara não gosta, não aprova, passa longe daquela vergonha.
A amizade entre os homens obedece a sinais vermelhos. Nada que comprometa. Tudo dentro da masculinidade padronizada. Abraços, apertos de mão, gestos, qualquer palavra, qualquer toque são milimetricamente medidos.
Torcer é respeitar muitos significados. É exceder um limite aqui, mas frear diante de outro. Beber muito? Pode. Se jogar na piscina após um título conquistado? Pode. Xingar o oponente de viado? Pode. Ter um jogador gay no elenco? Nunca.
“Não sou homofóbico, mas viado aqui não.” Determinaram: estádio é para héteros. Mais que héteros, para os machos alfa, os líderes da espécie. Há hierarquia nas masculinidades. “Corno” também é menor. “Donzelo” idem. “Filho da puta” o mesmo.
Nessa régua, o gay vem lá na lanterna. O que é não é aceito ou aceito como gozação. É tido como o homem fake, o que envergonha, o que peca. Não importa se tem comportamento másculo ou não. Não importa se é enrustido. Nem se é bolsominion. É um subalterno, um não homem. Assim determinaram os juízes.