Quando era pequeno, eu enxergava o mundo como um local bem mais divertido e fantástico. Nesse universo de fábulas, nunca me interessei pela previsibilidade quase asquerosa dos esportes americanos. Eu acreditava que no basquete e no futebol americano os vencedores poderiam ser antevistos com razoável segurança.
Conheci o futebol como a antítese para esse veneno. Um jogo no qual um time colombiano financiado pelo maior traficante de drogas da América Latina podia ser o melhor time da América, um time de uma cidade de poucos mil habitantes poderia bater uma equipe gigante da capital, ou um time de um país subdesenvolvido poderia bater uma superpotência da Europa.
Esse estigma se confirmou anos depois quando vi Shevchenko marcar três gols no placar agregado contra o Real Madrid atuando pelo Dínamo de Kiev da Ucrânia, quando tomei gosto pelas histórias de grandes potencias do Leste Europeu como o Estrela Vermelha de Belgrado e o Steaua Bucharest ou por equipes menores de grandes centros como o Nottingham Forest ou o Moleque Travesso aqui da Mooca.
Todas essas histórias de jogadores obscuros, potências de países menos conhecidos, times alternativos e a comparação lúdica de que o futebol seria tão aleatório como uma caixinha de surpresas consolidaram minha paixão pelo jogo.
Talvez a minha memória de infância tenha me traído e não havia tanto equilíbrio como eu pensava ou talvez as coisas realmente tenham mudado, mas o fato é que hoje em dia há pouco espaço para surpresas no ludopédio. E isso é bem broxante.
Por um lado, o fim da surpresa era um processo inevitável. A velocidade com que as informações passaram a trafegar nos últimos anos modificou certas condutas no futebol e na vida.
Atualmente, existem diversos vídeos de jovens talentos de todos os cantos do mundo pipocando pela internet com milhões de views. Conhecemos os jogadores e sabemos o que esperar deles antes mesmo de pisarem em campo e as informações sobre os times (até os mais desconhecidos) são abundantes.
A falta de surpresa também decorre da homogeneização das equipes. Os tempos nos quais cada nação possuía um estilo único e uma abordagem única para o jogo ficaram no passado dando lugar a equipes repletas de brasileiros, argentinos, alemães e holandeses. O futebol perdeu sua identidade, individualidade e tradição que o tornavam tão especial e diferente de outros esportes. Foi-se o tempo em que o Dinamo Tbilisi era o rival mais complicado para o Liverpool em uma final ou que o Steaua Bucharest surpreendia todo o continente desenvolvendo uma maneira quase secreta de jogar futebol.
Além da velocidade da informação, o próprio processo de globalização dificulta o surgimento de potências obscuras. Os times do Leste Europeu citados eram esquadrões formados por jogadores que ainda encontravam certa dificuldade para transitar livremente. Com a queda da Cortina de Ferro, os jogadores foram atraídos por um novo mercado gigante contra o qual as suas equipes não podiam competir financeiramente. Hoje, as chances de um clube do Leste Europeu reter uma inteira geração dourada de talentos afastada dos clubes do ocidente são nulas.
Os fatores comentados acima fazem parte da evolução natural do mundo e não poderiam ser revertidos, mas existe um terceiro fator que prejudica a ordem natural do futebol colocando sua competitividade em risco: o despejo desenfreado de dinheiro em determinadas equipes.
Excluindo-se o quase nulo controle do Financial Fair Play da UEFA que parece muito rígido com pequenas equipes e bastante flexível com equipes como o Chelsea e o PSG, não parece que temos qualquer tipo de controle sobre fluxos exóticos de dinheiro no mundo do futebol. Via de regra, basta ser muito rico para se tornar um forte candidato a ganhar títulos.
O Nottingham Forest do final década de 70 era uma máquina. Contando com jogadores extraordinários e Brian Clough no comando, a equipe inglesa ganhou dois canecos de Champions League e mais alguns títulos relevantes no período. Acreditava-se que a equipe se tornaria uma dinastia de 80 em diante. No entanto, a diretoria fez alguns investimentos inadequados em jogadores que não renderam e decidiu reformar seu estádio em um momento não muito apropriado. De 80 pra cá, o Notts se tornou um time bem pouco relevante no cenário internacional.
Os tempos de hoje são um pouco distintos. Roman Abramovich pode chegar com um caminhão de dinheiro no Chelsea, logo ganhar uma Premier League e acertar e errar em contratações ano após ano até finalmente ver o seu time levar uma Champions League. Mansour bin Zayed pode transformar o elenco do Manchester City em duas vezes mais valioso do que o do Manchester United como que num passe de mágica e seguir investindo pesado ano após ano. A Unimed pode colocar 20 milhões por ano no Fluminense durante mais de dez anos tornando praticamente impossível para qualquer outra equipe competir por jogadores com o clube das laranjeiras.
O que antes era somente uma competição esportiva, tornou-se uma duelo econômico que não beneficia nem ao menos quem faz os melhores negócios, mas simplesmente quem têm mais dinheiro de origem e quem pode gastar mais.
A distância entre os superclubes bancados por magnatas de países exóticos e os clubes tradicionais se alarga mais a cada ano. Hoje em dia, um Corinthians pode ir a Tóquio e bater o Chelsea, mas isso irá acontecer uma vez a cada cem jogos e será cada vez mais raro. Se os processos evolutivos naturais do mundo já se colocam contrários à aparição de novas zebras, nós poderíamos pelo menos tentar evitar que a brincadeira se tornasse um pôquer de novos ricos.