Fronteiras Invisíveis do Futebol #53 Costa Rica

Los Ticos

Lá vem eles de novo! Em 2018, Brasil e Costa Rica se enfrentarão pela terceira vez em uma Copa do Mundo. Essa é a desculpa perfeita para voltarmos à América Central e contarmos um pouco da História desse pequeno país. Das origens indígenas e seu legado de bolas rochosas gigantes. Vamos para o passado colonial, pobre, baseado na agricultura e em pequenas propriedades, algo que daria retorno séculos depois.

Passamos pelas independências, tanto da Espanha, quanto do México, além da República Centro-Americana. E, claro, explicamos a Guerra Civil cujo legado foi um país democrático e estável, inclusive sem forças armadas estabelecidas. E claro, tudo isso temperado com o futebol do país que tem o segundo maior número de títulos da CONCACAF e jogadores de destaque internacional.

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ESPECIAL: 100 histórias escondidas da Copa do Mundo – Parte 2

 

Nessa segunda parte do ESPECIAL COPA DO MUNDO, separamos mais cinco histórias das mais curiosas que ajudam a entender os motivos desse ser o maior evento esportivo do planeta.

Nas suas edições mais recentes, a Copa do Mundo tem movimentado cerca de 3 bilhões de pessoas em todo o mundo. E o que move tanta gente? É óbvio que tem muita coisa por trás, mas a gente arrisca dizer que a paixão pelo futebol e a alegria de ser torcedor está entre elas.

Com a assinatura de Leandro Iamin, a Central3 convida você para conferir mais uma parte desse especial INCRÍVEL. Vem com a gente!

95 – DAS DERROTAS BRASILEIRAS, A MAIS FEIA

Existe coisa pior do que o Maracanazzo? O 7×1, claro, muitos vão dizer. Entre a derrota que mais causou tristeza e silêncio e a derrota que mais causou indignação e constrangimento, o Brasil se esconde a piaba de 1954, vergonha classificada numa outra categoria: a da covardia.

O “luto” com 1950 foi tão grande que o Brasil não jogou pelo resto daquele ano, e por todo o ano de 1951. Só pisou em um gramado de novo em 52, mas as memórias ainda eram fortes demais. Foi preciso tingir o uniforme de amarelo para enganar um pouco a alma e convencê-la do recomeço, a partir da Suiça, em 1954. Mas que recomeço feio foi esse do Brasil vestindo amarelo: em Berna, contra a Hungria de Puskas (que jogou sem Puskas), uma das mais formidáveis seleções deste esporte, o Brasil perdeu o jogo mas provavelmente ganhou na porrada após o apito final.

Foi 4×2 para eles, 2×0 em dez minutos, e até cabia mais. Os brasileiros, em negação, voltaram para o país reclamando muito da arbitragem, como se fosse ela a culpada pela derrota. O destempero generalizado daquela seleção com pressa de vitória consagrou, por mais quatro anos, a desgraçada frase de Nelson Rodrigues que nos atribuía um complexo de vira-latas. A Batalha de Berna foi uma pancadaria sem sentido que não acrescentou nada de útil à história brasileira em Copas, e é a prima pouco lembrada da família Maracanazzo, cuja mãe é o 7×1 e a vó é a Dona Lúcia.

Naquele 27 de junho de 1954, ainda não tínhamos certeza de que seríamos vencedores neste esporte. Edson Arantes do Nascimento tinha 13 anos. Tudo seria diferente quando o tempo transformasse Gasolina em Pelé.

94 – A CHARGE PREMONITÓRIA E O PRECONCEITO BRASILEIRO

A Colômbia de 1990 conseguiu, pela primeira, vez passar de fase em uma Copa, e foi em grande estilo: gol nos momentos finais contra a Alemanha, jogada linda, passe de Valderrama, gol de Rincón, comemoração emocionada. Nas oitavas, coube aos colombianos um encontro com Camarões, um duelo de dois estilos irreverentes que prometia mesmo divertir o público – e cumpriu. Um dos gols da vitória dos africanos saiu após o goleiro Higuita tentar sair driblando fora da área e perder a pelota para o mítico Roger Milla, que fez o gol e dançou com a bandeirinha.

Aquela seleção colombiana tinha, na linha oculta por onde também se escrevem as Copas, a missão de estancar um pouco do sangue que escorria nas ruas de seu país. Muito antes de virar série do Netflix, os cartéis de tráfico de drogas faziam do poder paralelo a força mais poderosa da nação, capaz de estrangular leis, governos e sociedade. Era uma Colômbia em situação surreal de colapso que chegava, como sempre, no Brasil em forma de deboche, piada, processada e decodificada por gente sem muito compromisso com o respeito aos irmãos de continente (um abraço, Romero!).

Um deles era o chargista da Folha de S. Paulo, cujo nome não consegui, e também não importa agora. Em sua função de colocar humor na história a ser contada, associou a Colômbia às mortes banais a mando dos donos dos cartéis, e, considerando a falha irresponsável de Higuita no jogo do dia anterior, sugeriu, em seu desenho, que o goleiro seria metralhado ao chegar na Colômbia. Falta de sensibilidade digna de prêmio.

Dela decorrem duas ironias. A primeira delas é que Higuita, o suposto metralhado, era amigo pessoal do mais icônico dos megatraficantes da Colômbia, Pablo Escobar, a quem visitou na cadeia algumas vezes e, por isso, caiu em desgraça no país e perdeu vaga para a Copa do Mundo seguinte, onde a outra ironia, você sabe, está: lá, na Copa dos Estados Unidos, Andrés Escobar, zagueiro dos bons, fez um gol contra decisivo para o destino da seleção colombiana. Considerado culpado pela eliminação, Escobar foi de fato assassinado dias depois do desembarque no país, ainda em situação não muito clara.

A charge queria fazer piada de um sério contexto real. Acabou se tornando um material tristemente premonitório.

93 – A COPA DA COLÔMBIA, QUE FOI DO MÉXICO, QUE OS ESTADOS UNIDOS QUISERAM E O BRASIL NÃO ENTENDEU

Em outubro de 1982, pouco depois da Copa da Espanha, a Colômbia, que acabara de eleger novo presidente, abriu mão de sediar a edição seguinte. Para o novo presidente colombiano, “o Mundial deveria servir à Colômbia e não a Colômbia servir ao Mundial”. Seu discurso de desistência conteve ataques claros ao que chamou de “extravagâncias” da FIFA. Já havia, ali, um desejo de transformar a Copa em um espetáculo superlativo, lucrativo, especulativo, à beira do cafona e cercado de rococós corporativos. A FIFA que arrumasse, com pressa, outro país para usar de quintal e almoxarifado.

Quando, anos antes, a Colômbia foi eleita sede, houve, no mesmo congresso, a eleição para novo presidente da FIFA. João Havelange, que era oposição, venceu a dita cuja, e, com o tempo, mudou as regras do jogo e as exigências ao país-sede, tornando a demanda do governo colombiano muito maior do que aquela prometida e acordada na hora da candidatura. A nova gestão da Fifa exigiu demais da Colômbia, e, por isso, o novo governo da Colômbia não quis mais saber da Copa.

Que foi parar no México, após uma disputa com o seu vizinho mais cri-cri, aquele que fura a bola que cai do seu lado do muro. Os Estados Unidos enviaram à FIFA, como você vê na imagem, um documento de 4 páginas garantindo que era um país pronto para uma Copa do Mundo – não tinha nem campeonato de futebol profissional no país, mas e daí?, os Estados Unidos prometiam estádios grandes, obras grandes, estradas grandes, parceiros grandes. Deu México, mas estava plantada ali a semente do bom relacionamento entre FIFA e USSF, que culminaria, já em 1987, na formalização da candidatura deste país à Copa do Mundo de 1994, como de fato aconteceu, abrindo definitivamente as portas do jogo para um novo modelo de negócio.

O Brasil foi em 2014 tudo que a Colômbia esteve a um passo de ser nos anos 80. Por aqui definham em praça pública (ou privada) alguns mamutes de concreto, sem que quase nenhuma obra de infraestrutura realmente relevante tenha sido entregue ao brasileiro – Ronaldo, embaixador da Copa, aliás, declarou que “não se faz Copa do Mundo com hospitais”. Verdade. Copa do Mundo se faz com o que a FIFA conseguir enfiar no país que a quiser. A Copa não serve o país, mas o país serve, e muito, à Copa. E a entrada dos Estados Unidos neste jogo, país tão capacitado para fazer o tal capitalismo girar, foi a melhor notícia que João Havelange (E Sepp Blatter, o então secretário que foi destinatário da carta abaixo) poderia receber para seus, digamos assim, negócios.

 

92 – OS CARTÕES COLORIDOS, A TV COLORIDA E AS REGRAS

O jogo entre México x União Soviética, abertura da Copa do Mundo de 1970, não deu ao povo o que o povo quer: gols. Foi um 0x0 sem vilões, placar imposto pelo paralisante sol do meio-dia na Cidade do México. Porém, a partida inaugural da Copa de 70 ficou para a história como a do primeiro cartão amarelo da história. Sistema criado para que houvesse uma advertência antes da já existente exclusão, a adoção do cartão tinha inspiração na linguagem quase universal dos sinais de trânsito e saiu pela primeira vez do bolso do juiz alemão Kurt Tschenscher após a falta que o soviético Lovchev fez no mexicano (não se perca pelo nome) Valdivia.

Cartões coloridos tinham apelo lúdico e dialogavam com o que acontecia fora de campo. Por exemplo, era a primeira Copa do Mundo com transmissão em cores para alguns lugares – o Brasil assistia ao vivo, mas em preto e branco. Pela mesma razão, a FIFA tomou o cuidado de providenciar, junto da Adidas, uma bola cujo material fosse predominantemente branco, não marrom. A bola da Copa de 70, a Telstar, com alguns gomos pretos, já nasceu clássica e na telinha, e o pai de família no sofá se sentia cliente preferencial do jogo, adequado à cor da sua TV.

Mas a telinha é fogo, e começou a mudar o eixo da contenda. Copa do Mundo tem fuso-horário, a televisão tem demandas de audiência, então alguns jogos tiveram que ser disputados em horários horríveis, em nome do “ao vivo”.

A abertura, por exemplo, como dissemos, foi jogada meio-dia para que as pessoas assistissem, na Europa, lá pelas 18h. E se jogar meio-dia cansava muito, nem tudo era lamento, já que a FIFA inaugurava outra regra: a das substituições, já testada desde 1967, mas nunca em jogos de seleções. Serebrianikov, da União Soviética, foi o primeiro substituído em uma Copa do Mundo. Ironias com o horário à parte, era o futebol compreendendo a evolução física do jogo e a necessidade de trocas pelo bem do técnico e do estético. Times caindo aos pedaços e atletas lesionados fazendo figuração em campo pegavam mal na tevê.

O Mundial de 70 foi sem dúvida um marco tanto no que tange as regras do jogo quanto no que representa para a visibilidade dele. Quatro anos antes, na Copa do Mundo da Inglaterra, o argentino Rattín foi expulso por um árbitro alemão, e, na ausência de um idioma em comum, não conseguia (ou não queria) entender a mensagem. O cartão vermelho veio para acabar com problemas de idiomas, enquanto o desenvolvimento do jogo, sobretudo em termos físicos, andou curiosamente ao lado do aumento da qualidade das transmissões de TV, que, por sua vez, entregou ao público final imagens cada vez mais nítidas. Sutilmente, trata-se de um ciclo. A disciplina do jogo está diretamente ligada ao ângulo em que vemos os lances e em como queremos que a disciplina colorida dos cartões seja aplicada depois deles.

Muito mais fortes, muito mais filmados e vigiados, jogando o mesmo campeonato de quase cem anos de um jeito que, olhando assim do sofá, soa tão mais impactante do que realmente é – em slow motion, então, nossa!
Os cartões e as substituições mudaram as regras do futebol. A televisão colorida também. O Cara-ou-corôa, sabe-se lá como, ainda persiste.

91 – O MAL DE MONTEZUMA E A CARTA DA DISCÓRDIA

Você precisa respeitar a Maldição de Montezuma se visitar a Cidade do México. Se não a realidade, pelo menos a lenda. É ambíguo, mesmo. De um lado, de fato, existiram casos de intoxicação alimentar nos dois Mundiais no país, provavelmente pela ingestão de água maltratada. Por outro lado, há uma crença de que após a Cidade do México ser destruída no século 16 (me poupem de números romanos), Moctezuma, o próprio, morto na ocasião, rogou uma praga contra todos os estrangeiros que visitassem a região – que foi invadida pelos espanhóis em uma trama de traição estrangeira e ingenuidade do imperador azteca.

A Copa de 70 estava para começar quando um escândalo ofendeu a população da capital mexicana. Uma subsidiária da Nestlé, distribuidora de alimentos, informou via carta à delegação inglesa que “suas mercadorias já estão em solo mexicano”. O telegrama foi interceptado por um jornalista local. Nele estavam discriminados os itens, como 400 quilos de salsichas, 50 quilos de salmão, água, muita água, geleia, muita geleia, queijo pra cacete, enfim, tudo que garantisse aos jogadores ingleses distância da gastronomia local. A pauta estava feita.

Na mídia, entre outras manchetes, a crônica mexicana gerou frases como “Sua Majestade nos chamou de porcos”. O hotel onde os ingleses estavam, em Guadalajara, virou uma bagunça, com mexicanos se revezando em turnos para incomodar o descanso dos agora maiores rivais. O mascote da Copa, Juanito, que era um tipinho fofinho com sombreiro na cabeça, foi lançado como uma homenagem e uma continuação estética do mascote da Copa de 66, leãozinho inglês criado pelos ingleses. Com o episódio da carta, estava selado o destino de Juanito, mascote rejeitado no país desde então.

Enquanto o México se engajava na torcida contra os ingleses, o Brasil fazia caminho contrário: a delegação verde-amarela fez questão de dizer que não tinha restrições alimentares ou com a água mexicana, e que, se era bom para a população de lá, seria bom para os brasileiros também. Estava firmada uma relação amistosa que Tostão, Jairzinho, Rivellino, Pelé e Gérson deixaram ainda mais forte quando venceram a Inglaterra, 1×0, gol de Jair. Foi o melhor jogo do México na Copa.

Se vocês acreditam na Maldição de Montezuma ou não, aí vai de cada um. Fato é que Gordon Banks, goleiro inglês, não jogou a partida seguinte, contra a Tchecoslováquia, justamente por intoxicação, e seu reserva atuou com cara de merda, pois sentia os mesmos efeitos mas não desistiria do jogo. Será que foi algum problema com a geleia?

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Fronteiras Invisíveis do Futebol #52 Austrália

Socceroos

O continente australiano recentemente lembrou dos 220 anos do início da colonização britânica, feita inicialmente com colônias penais. Vamos ver essa História, a descoberta do ouro e a autonomia do país, marcado por uma política de racismo institucionalizado.
Também conhecemos os diversos campos, incluindo a variante local de futebol e a importância do esporte para as comunidades de imigrantes. De fato, a Austrália é um dos poucos países que chama o futebol como conhecemos de “soccer”. Fechamos o programa com a independência, no século XX, e o papel das guerras mundiais na formação do país. Que, em breve, talvez seja uma república!

 

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Fronteiras Invisíveis do Futebol #51 Bahia

Per Ardua Surgo

Cruzamos novamente as fronteiras invisíveis do futebol brasileiro, desta vez na Bahia, guiados pelo jornalista Irlan Simões. Dos conflitos indígenas até a chegada dos portugueses, onde hoje é Porto Seguro e o início da colonização, com a exploração açucareira.

Passamos pelo esporte da Boa Terra, com seus atletas campeões e, claro, a dupla Ba-Vi, os dois principais clubes do estado. Dos campos para a independência baiana, a exploração de petróleo e os dias de hoje, com destaque para as revoltas baianas, como a Conjuração que faz 220 anos em 2018.

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Aquela palavra incômoda que começa com “v”

Medo da própria torcida é o que o cara gay vive em um estádio de futebol. Medo que a descubram e medo de todo rosário de agressões desfiado após a descoberta. Time de viado é o do lado de lá, grita o lado de cá. Do lado de cá só se aceitam guerreiros, machos, marrentos, aquele rol de palavras que, de ouvir, são de imediato coladas à heterossexualidade masculina. Nada que lembre coisa de mulher é permitido, que vira logo viadagem, que desmerece, é a pior das ofensas, desperta a vontade de resolver no murro.

É o que o palmeirense William de Lucca viveu até não aguentar mais. Mandou a real: “Tem viado no Palmeiras também, sabiam?” Olha que verdade dolorida de ouvir. E parte da sua torcida passou a ameaçá-lo de morte. “Viado aqui não!” A mesma frase que a torcida corintiana carregou em uma faixa, quando Emerson Sheik postou uma foto dando um selinho no amigo.

“Viado aqui não!” é o berro geral nesse jogo pré-estabelecido em que os machos se veem mais unidos e mais fortes. Como que acorrentados ao ideal de superioridade. Agora mais que nunca. Perceberam que não é bem assim, que nunca foi bem assim. Entre tantos torcedores e tantos jogadores, impossível nunca o manto sagrado ter sido usado por gays, quem sabe, até ídolos.

Viado lá e cá sempre houve. Basta pesquisar sobre torcidas organizadas LGBTs pelo Brasil. Mas geral faz de conta que não, que eram excentricidades isoladas e desconsideráveis, que futebol é coisa de macho, só de macho, unicamente de macho. Sabem que houve árbitro gay. Sabem que tem aquele amigo gay que vai ao jogo junto. Sabem que tem aquele gay famoso que postou foto comemorando o título. Mas geral faz de conta que não.

Geral quer manter o viado no espaço do insulto. Continuar com o grito de “Todo viado que eu conheço é… (o lado de lá)” quando tem um bocado de viado do lado de cá. Geral quer ofender e desconhece palavra melhor para o serviço.

Aí surge quem bote a boca no trombone da rede social e diga: “Tem viado aqui com vocês. E viado não é ofensa. Não é ser pior que macho não”. Geral bugou.

Chamar de viado depende da intenção, do sabor que se dá à palavra. Já fui muito criticado por usar “viadagem”, “bicha”, “miga” para me referir a gays. Entendo. Sempre é um debate áspero. E é para ser mesmo. São palavras petardos. Moldadas para bater e tirar sangue. Cunhadas em sua origem para nos humilhar e reduzir. Mas linguagem, como sempre defendo, é contexto.

Coloque uma entonação de voz depreciativa e até as corretas, as aceitas, “gay” e “homossexual” ganham um tom pejorativo. “Não se junte com aquele gay”, “Esse povinho homossexual quer dominar o Brasil”. Tem ou não tem desprezo e preconceito?

Viado sempre assustou gays brasileiros, vai continuar assustando, por não ser a palavra em si que dói, mas como vem recheada. Até a grafia ficou especial. Ganhou um “i” no lugar do “e”, se solidificou assim, para mostrar, mesmo que inconscientemente, que o gay é, digamos, ainda menor que o bicho.

Viado é a macheza ao contrário, uma ameaça à estética e ao comportamento esperado de quem nasce com um pênis. Traz uma rebeldia.

Acompanhe: Viado reforça que no topo do ecossistema está o macho e a cesta de produtos que ele representa. Macho: superior, valente, determinado, masculino. Viado: desonroso, covarde, desprezível, risível, feminino. Quando se elogia com “macho” se celebra os papéis bem definidos e aclamados de macho e fêmea. Quando se xinga com “viado” se faz o mesmo. Ambas as situações mantêm o status quo e aplaudem o preconceito. É a homofobia gritando gol.

É o hétero no protagonismo, que se dá um deslize não escapa do “Huuuuuummmm!” da desconfiança. É o gay nos bastidores, na autopatrulha, passando atestado de masculinidade para ser mais aceito, não fazer vergonha, receber parabéns por ser decente e conseguir sobreviver sem um arranhão. É todo homem vigiando a voz, o jeito de sentar, os quadris, as munhecas, seus e alheios. É o gay feminino empurrado para longe para não queimar o filme. É o orgulho hétero tendo um concorrente ainda mais danoso: o orgulho de parecer hétero.

“Viado”, “bicha”, “baitola” carregam um ranço inegável. Reciclar requer esforço e consciência de que continuarão ferindo em certas ocasiões: uma torcida inteira cantando como chacota, por exemplo. Mas se apropriar da fala opressora e torná-la sua é uma estratégia de luta bem interessante. Esvaziar o discurso do significado antigo é produtivo, ainda que demorado. O impacto da fala ainda machucará, ainda é contexto. “Todo gay que eu conheço é…” Mudou muito?

“Seu viado!”, sem dúvidas, ainda assusta. Levar pela cara ainda arde. A inhaca está longe de sair, de não incomodar, de fazer de conta que inexiste.

Mas “gay” também foi uma palavra usada para oprimir. “He is a gay guy”, desdenhavam. O que a militância dos EUA fez? Trouxe a palavra para si. Desmontou-a de tal modo que hoje dá nome à comunidade por lá. Aconteceu o mesmo com “queer”. É garantia de limpeza para “viado”? Não. Nem todo o Vanish dos supermercados dá certeza de que dará certo.

Talvez nem seja indicado lavar demais. O excesso de desinfetantes na higienização, tantas vezes, sufoca. Um cheirinho de desautorizado, subversivo, provocador e desobediente à lógica heteronormativa pode caber bem a “viado”, “sapatão”, “bicha”, “saboeira”, etc . Eu, pelo menos, não pretendo, nem quero, ser um Bebê Johnson de tão limpinho.

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A estupidez que começa na lei e acaba no hospital

Antes de comentar o caso ocorrido no jogo entre Sport e Santa Cruz, permita-me apresentar-lhe o personagem da foto.

Ao lado da caneta está um sinalizador do tipo que costumava ser usado nos estádios brasileiros.

Foi proibido a partir de 2013, depois da aprovação de uma PL apresentada pelo deputado Décio Lima (PT-SC). O uso desse artefato se tornou crime passível de dois a quatro anos de prisão, mais multa.

De lá até cá é recorrente a situação de problemas envolvendo o uso de sinalizadores, gerando inclusive conflito entre torcedores do mesmo time, uma vez que tem se revertido em punição aos clubes (jogo de portões fechados ou longe do estádio de origem).

Nunca se soube de uma morte, ou mesmo lesão, causada pelo uso desse tipo de sinalizador. Seja ao seu portador, seja a outros presentes nos estádios.

O texto de apresentação da PL se valia de um caso ocorrido na Bolívia, que vitimou uma criança, a partir do uso irresponsável de um “sinalizador naval”, artefato muito maior, quase inexistente no Brasil e raramente usado em estádios de futebol.

O “sinalizador naval” em questão é um artefato que se projeta, como um rojão, mede 30 cm e pesa meio quilo. Medidas muito diferentes de um sinalizador do tamanho e peso de uma caneta.

O deputado Décio Lima nunca teve relação com o futebol, nem como torcedor, nem como dirigentes, nem como estudioso. É de Blumenau, cidade cujo estádio não cabe mais de 5 mil torcedores, e diz muito sobre seu conhecimento acerca de eventos de massas.

No dia 7 de março, no jogo entre Sport e Santa Cruz, na Ilha do Retiro, esse artefato voltou a ser motivo de polêmica. Ao que constam a maioria dos depoimentos, o Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar de Pernambuco se dirigiu à arquibancada da torcida visitante de modo a coibir o uso de um sinalizador (não um naval, mas o do tamanho de uma caneta).

Com procedimento de praxe do destacamento, a abordagem violenta assustou torcedores, que tentaram fugir do tumulto, gerando um efeito de bola-de-neve, típico de situações de pânico em eventos de massa – quando não se sabe a origem ou a razão do tumulto e busca-se sempre se afastar a todo custo.

O resultado foi o ferimento de mais de 70 torcedores do Santa Cruz, incluindo fraturas expostas, crianças machucadas e desmaios. Dois torcedores internados em estado grave.

O que vem depois desse ocorrido é uma situação de descontrole de proporções incalculáveis. Torcedores revoltados jogavam objetos na PM; policiais incapazes de compreender a situação reprimiam torcedores já machucados que tentavam acessar o campo para serem atentidos pelas equipes de socorro; e, o mais grave de tudo: o jogo não apenas não foi suspenso, como voltou a acontecer com os feridos ainda em campo.

O procedimento geralmente adotado em caso de sinalizadores acesos em estádios é a interrupção do jogo, pelo juiz, até que os artefatos sejam apagados. Um único sinalizador tende a durar cerca de 3 minutos quando aceso, sendo que o jogo já estava se encaminhando para o intervalo, portanto não atrapalharia a partida.

Mas para a além da abordagem policial desnecessária e irresponsável, fora dos padrões de solução de problemas do tipo, e da culpabilização criminalizadora das torcidas organizadas em um caso em que a torcida não teve qualquer culpa; segue a pergunta: Por que diabos ainda não se explicou que esses sinalizadores são inofensivos?

Praticamente nenhum outro país da América do Sul se deu ao trabalho de reprimir o uso de sinalizadores, apenas o Chile, em um plano mais amplo de criminalização das barras. No Brasil, sua proibição tem causado muito mais problema do que a liberação. Os sinalizadores continuam inofensivos.

Aos tantos colegas de imprensa que se apressaram em condenar as torcidas organizadas como causadoras do tumulto ficam as perguntas: quem disse que foi um membro da Inferno Coral que acendeu o sinalizador? Como é possível acreditar que uma abordagem minimamente humana não causaria tamanho desastre? Para que piorar uma situação cujo começo, meio e fim são sabidos por todos?

E para todos os torcedores: para que manter tal proibição se a única finalidade dos usuários de sinalizadores é fazer a festa nos estádios?

Talvez seja porque a fumaça, caso entre em campo, pode atrapalhar a visibilidade do jogo e comprometer a transmissão televisiva, atrasar o jogo e prejudicar a grade da progamação. Mas pode ser apenas suposição minha. Talvez. Até porque essa suposição nunca é colocada nas mesas redundantes dos intermináveis debates de jornalistas homens brancos da imprensa esportiva brasileira.

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Fronteiras Invisíveis do Futebol #50 Egito Pt.2

ديربي القاهرة‎

Para finalizar nossa visita ao país do nordeste africano, tratamos dos últimos 500 anos de História, da formação do Eyalet até a Revolta da Praça Tahir, no contexto da Primavera Árabe.

Também observamos como o Egito resistiu ao neo-colonialismo europeu e serviu de palco de batalhas nas Guerras Napoleônicas e na Segunda Guerra Mundial, além de ser epicentro do pan-arabismo durante a Guerra Fria.

Já em relação ao futebol, o principal clássico da capital, entre Al-Ahly e Zamalek, simbolizava a luta política entre nacionalistas e estrangeiros, mas atualmente os torcedores rivais se uniram para combater os seguidos regimes militares.

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Fronteiras Invisíveis do Futebol #49 Egito Pt.1

الفراعنة

Após um pequeno atraso, o podcast que desvenda a geopolítica do Planeta Bola retorna, dessa vez à África. E em duas partes! Afinal, não dá pra falar brevemente da rica e vasta História do Egito. Passamos pela antiguidade, com as pirâmides, as referências do Pentateuco, a conquista de Alexandre e a região como província romana.
Também abordamos a formação da seleção nacional, uma potência hegemônica no continente africano, porém, ausente no cenário mundial, e veremos por quais razões. Encerramos esta edição com a conquista muçulmana e o período medieval egípcio. Os diferentes califados, o contexto das Cruzadas e sultanato dos mamelucos, palavra que tem outro significado no contexto brasileiro.

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Paixão centenária: o Clássico Rei cearense

O futebol tem suas efemérides. A Deste ano é a memória dos 100 anos do primeiro clássico rei cearense, que ocorreu em Dezembro de 1918.

Organizado pela Liga Metropolitana Cearense de Futebol, o esporte era uma prática aristocrática que nem bem vista era, as corridas de cavalo no Campo do Prado atraiam muito mais olhares do que o ludopédio.

Daí surge a pergunta: O que tem de clássico os jogos entre Ceará e Fortaleza? Eu como torcedor do Vozão reconheço que não são apenas três pontos que estão em disputa. Isso ocorre nos 90 minutos. Ganhar do rival é ter a possibilidade de celebrar, fazer meme, “frescar” com o outro, sem perder a compostura. É um ponto fundamental na construção da identidade clubística do aficionado. Como disse o sociólogo Maurício Murad: O ato de “ser” um time ou de torcer por ele, ou ainda, de “pertencer” uma coletividade esportiva.

Dentre os vários clássicos rei que acompanhei, gostaria de destacar apenas um, que foi pela série B de 2001, no Estádio Presidente Vargas. Esse clássico era rodeado por inúmeros elementos que fazem dele uma recordação marcante para as duas torcidas.

Antes da partida iniciar, toda a imprensa lembrava o que o torcedor do Ceará queria esquecer. O tabu de 16 jogos que o Ceará não derrotava o Fortaleza.

A partida foi realizada no dia 9 de Setembro, o Ceará jogou com Jefferson, Hilton, Alan, João Lima, Marcelo (Evaldo), Lopes, Garrinchinha, Edinho, Jairo Lenzi (Thiaguinho), Sérgio Alves e Iarley, o técnico era Flávio Araújo.

Daniel Frasson sofre falta dentro da área e o árbitro assinala pênalti em favor do Fortaleza, que Reginaldo cobra e o goleiro Jefferson defende, garantindo a igualdade do placar.

Bola no travessão, bola alçada na área, falta e nada mais acontecia para que o placar fosse mudado. A torcida do adversário aos 43 minutos do 2º tempo já iniciava a contagem, como era de costume, do número de jogos sem perder pro Ceará.

E numa jogada individual, Thiaguinho (nome de craque) que havia entrado no 2º tempo no lugar de Jairo Lenzi, tenta entrar dentro da área, e perseguido por três jogadores do FEC é derrubado dentro da área por Moisés Teixeira e o árbitro assinalou pênalti.

A torcida adversária se cala.

Para a contagem.

Sérgio Alves, o maior atacante que vi jogar pelo Ceará pega a bola. Bota na marca da cal. O time que defendia o tabu já havia perdido pênalti na mesma baliza. Só que com o “carrasco” não tem aperreio, o cabra tinha sangue frio, e sendo contra o Fortaleza, aí é que ele era letal.

O artilheiro do Brasil naquele ano converteu aos 47 MINUTOS do 2º tempo.

Era o fim do tabu, pra quem gosta de tabu. Eu que gosto do Ceará, vibrei pela vitória sobre nosso maior rival (nos acréscimos). Mais uma vitória em clássico rei.

Ceará, tua glória é lutar.

 

 

Thiago Oliveira Braga. Torcedor do Ceará S.C. desde a década de 1990,  graduado em Filosofia pela UECE e História pela UFC.

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Fronteiras Invisíveis do Futebol #48 Panamá

Los Canaleros!

Voltamos à América Latina, para tratar de um país que neste ano fará sua estreia em Copa do Mundo: o Panamá! Desde a chegada dos colonizadores espanhóis, o istmo tinha uma posição estratégica na circulação de riquezas, algo que foi potencializado com a construção do Canal, no final do século XIX, quando a região ainda pertencia à Colômbia.

Após a Crise do Panamá (1885) e a Guerra dos Mil Dias (1899-1902), o Panamá tornou-se independente, mas viu a influência dos Estados Unidos aumentar gradativamente, inclusive com a administração norte-americana em uma das maiores obras de engenharia da Idade Contemporânea.

Apesar do beisebol e boxe ocuparem um espaço maior no imaginário lúdico panamenho, o atual presidente Juan Carlos Varela declarou feriado nacional, após a classificação da Marea Roja ao Mundial a ser disputado na Rússia!

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Fronteiras Invisíveis do Futebol #47 Rússia Pt.2

Союз Советских Социалистических Республик!

Abrindo o ano de 2018, voltamos com a segunda parte sobre o centenário das revoluções ocorridas na Rússia de fevereiro a outubro de 1917 e também sobre a História do país. Apresentamos os antecedentes revolucionários, como a Guerra Russo-Japonesa, a Revolução de 1905 e a Primeira Guerra Mundial.

Também passamos pelos principais acontecimentos do ano de 1917 e de lá para a formação da União Soviética e o peso da Rússia dentro da URSS, a partir dos diferentes períodos soviéticos, sua política externa e seu desenvolvimento econômico.

De lá vamos para a Rússia independente, com a dissolução “não intencional” da URSS por Gorbachev, o choque econômico com Iéltsin e a ascensão de Putin.

E claro, abordamos o futebol da Rússia independente, seus campeões, principais jogadores, títulos continentais e o breve retrospecto da seleção do país que sediará a atual Copa do Mundo.

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Fronteiras Invisíveis do Futebol #46 Trégua de Natal

Mais uma edição especial para você ouvir durante as celebrações de final de ano. O tema é a trégua de Natal de 1914. Não sabe do que se trata? Não conhece o clipe de Paul McCartney? Vamos contar o que foi e como, mais uma vez, o esporte ajuda a explicar a sociedade e a História.

Falando em História, se era uma trégua, era uma pausa no que? Na Primeira Guerra Mundial, um dos maiores conflitos da humanidade. Vamos explicar as principais origens e desdobramentos da guerra e por qual motivo tivemos uma trégua apenas em 1914. Então, prepare a comilança, reúna a família, encha os copos e dê play no seu podcast de História preferido!

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