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Os segredos do corinthiano do placar

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Por Walter Falceta*

A “culpa” é do imigrante japonês Tomio, que veio tentar a sorte nas terras do norte do Paraná. Trabalhava lá suas 14 horas por dia. Quando sobrava algum tempo para o descanso, corria ao radinho ouvir notícias sobre o futebol.

Depois das campanhas fantásticas da década de 1950, apaixonou-se pelo Corinthians. Ao filho Émerson Heidi Yto, nascido em Marialva, deu dois presentes. O primeiro: condições para que estudasse e se graduasse em Engenharia Eletrônica, na Universidade Mackenzie. O segundo: o amor pelo clube que unia as raças, credos e classes sociais.

Em 1979, Yto adorou quando obteve colocação na Digitalmatic, dos irmãos cearenses Cordeiro Araújo, empresa especializada na instalação e manutenção de placares eletrônicos em estádios.

Além de trabalhar em sua área, imaginou que poderia assistir a bons jogos de futebol, alguns do seu time do coração. Funcionário disciplinado, assíduo e tecnicamente capaz, ganhou a função de operador dos placares nos jogos em São Paulo.

Assim, passaria anos “marcando gols” a partir das cabines do Pacaembu e do Morumbi. No estádio tricolor, foram 28 anos de serviços, até que o equipamento foi substituído por um novo, em 2008. Foram muitas emoções, uma sucessão enorme de tristezas e alegrias.

Um dia, no entanto, Yto deixou de ser coadjuvante anônimo do espetáculo para converter-se em protagonista.

Contemos a história. Em 1984, ano da luta pelas Diretas-Já, o Flamengo tinha ainda um timaço, com craque do naipe de Fillol, Leandro, Junior, Nunes, Adílio e Bebeto.

Nas quartas de final, foi bater-se contra o então bicampeão paulista, o Corinthians democrático de Sócrates, Casagrande, Wladimir e Zenon.

O primeiro jogo ocorreu no Rio, em 29 de Abril, e os cariocas botaram 98.656 pessoas no Maracanã. Com gols de Élder e Bebeto, os rubronegros saíram em êxtase do estádio, celebrando antecipadamente a classificação. A conduta celebrativa foi seguida pelos jornais da Cidade Maravilhosa.

A imprensa esperava uma torcida corinthiana conformada com a desclassificação. No entanto, 115.002 pessoas se reuniram no Morumbi para assistir à revanche.

Jogo de altíssimo nível, desde o primeiro minuto. Bebeto perde um gol claro no início do espetáculo. Disputa dura, sempre na bola. Até que, aos 32 minutos, Zenon lança para Biro-Biro. Este aproveita-se de falha de Figueiredo e manda para as redes.

O técnico corinthiano Jorge Vieira não queria ver comemorações. “Ainda precisamos tirar a diferença no placar agregado”, berrava. Cinco minutos depois, o raçudo Wladimir rouba uma bola no meio de campo. Ela vai a Biro-Biro, Sócrates e Eduardo, antes de retornar ao próprio Wladimir, que decreta o segundo gol mosqueteiro.

O segundo tempo começa quente. Aos 7 minutos, o voluntarioso Edson municia Sócrates, que passa a Zenon. Este, em jogada de gênio, toca por cima da defesa flamenguista e encontra o mesmo Edson, que arremata para o gol. Três a zero.

Aos 14 minutos, outra jogada para tapar a boca dos críticos. Quem disse que Sócrates não corria? Ele avança como um bólido pela direita da defesa para receber o lançamento de Edson. Domina a bola com maestria e serve na medida para Ataliba mandar o petardo e estufar a rede do adversário.

Sete minutos depois, no entanto, o aguerrido Flamengo marcou seu gol, em uma bola dividida de Paulinho que encobriu o goleiro Carlos. Jorge Vieira parecia prestes a sofrer um ataque cardíaco.

Nunes, incansável, tentava marcar o seu. Em uma bola no ataque corinthiano, o goleiro Fillol – jogando contundido, com uma proteção no joelho esquerdo – antecipa-se a Casagrande, atravessa a linha divisória do gramado e serve a João Paulo, que cruza sobre a área. Juninho, pelo Corinthians, salta de cabeça e mata a jogada.

O jogo é tenso até o último minuto. Poucos corinthianos se atrevem a cantar o “está chegando a hora”. Quando a vitória é irreversível, no entanto, o homem do placar, o paranaense Yto resolve responder à arrogância dos cronistas e torcedores cariocas, que durante a semana deram a vaga como garantida.

No placar, com fino humor, exibe os horários dos voos da ponte-aérea para o Rio de Janeiro. A princípio, poucos compreendem o chiste. Pouco depois, Yto programa em seu primitivo computador Digital PDP111 a mensagem final, que brilha em luzinhas amareladas: “Boa Viagem”.

A diretoria do Flamengo ficou bronqueada e o árbitro da partida, Arnaldo César Coelho escandalizou-se. Citou os fatos em seu relatório da partida e exigiu que atitudes como aquela fossem coibidas no futuro. “Os responsáveis receberam advertência e o fato não mais se repetiu”, bazofiou-se, tempos depois, o árbitro.

Evidentemente, a bronca correu os corredores da cartolagem e foi desaguar pesada sobre o tímido corinthiano do placar. Yto, no entanto, não se deu por vencido. Naquele período de insurgências, crepúsculo da Ditadura, usou o placar para divulgar uma nova mensagem. No jogo contra o Fluminense, na semana seguinte, a massa de 90 mil pessoas viu uma tesourinha brilhar no placar do Morumbi. Era o delicado protesto contra a censura.

Hoje, aos 58 anos, casado, pai de uma filha de 20 anos, Yto ainda lida com os antigos placares eletrônicos, alguns deles desmembrados e enviados para estádios menores, como o Eduardo Guinle, em Nova Friburgo, e o Edson Passos (Giulite Coutinho), no Rio de Janeiro. Nunca pisou na nova arena corinthiana, em Itaquera.

“Os placares da velha geração são testemunhas de um tempo que se foi no Brasil, de futebol bonito, técnico e de muita torcida nos estádios”, relembra Yto, nostálgico. “Esses registros não se apagam e lá estão as conquistas do nosso querido Corinthians”.

Walter Falceta é jornalista, formado pela PUC-SP. Trabalhou muitos anos em Veja, Estadão, O Globo, entre outros veículos. Hoje, é consultor em comunicação corporativa e produção editorial. É filho e neto de corinthianos e pesquisador da história do Corinthians.

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“Perigoso e insalubre”

No documentário “Geraldinos”, do qual assistimos a uma prévia após o último Titulares (ouça o programa com a participação do diretor do filme, Pedro Sabeg), é com as palavras que entitulam esse texto que um funcionário do marketing do Maracanã descreve a assassinada Geral, afim de justificar seu argumento de que “ninguém sente falta de verdade dela”. O funcionário (desculpe-me por esquecer seu nome) evidentemente não entende nada só de geral ou de futebol: também não entende nada da vida.

Um ambiente perigoso e insalubre não é repulsivo, mas sim desejável: nossos prazeres estão intimamente ligados a eles. Um ambiente seguro e estéril inibe a interação humana e o surgimento de qualquer sentimento real. O perigo e a insalubridade, além de servirem como estímulo à humanização, muitas vezes são também fonte de prazer. Imagine como seria o sexo se não fosse suado, cheio de trocas de fluidos corporais e cheiros dos mais variados (alguns dos quais convencionou-se que não se conversa socialmente, mas todos com um papel). Descer a ladeira da rua da sua avó no carrinho de rolimã não teria sentido sem a possibilidade de uma queda e alguns ossos quebrados. Já o prazer de uma descoberta desaparece se sabe-se de antemão que não há nada perigoso ali. E o queijo quente da padaria, como ficaria sem algumas gotas de suor do chapeiro?

Arquibancada (e Geral) tem que ser perigoso, tem que te dar a liberdade de se machucar (seja através do cimento ou de um gol rival aos 48 do segundo tempo – ou isso será proibido também?). Arquibancada tem que ter aglomeração, interação e mistura humana, tem que ter um cheiro que surja dela (e não, senhor marketeiro, um cheiro que você espirre lá antes dos jogos não dá na mesma). Arquibancada tem que te envolver com os 5 sentidos, tem que te tirar desse mundo e te transportar prum plano superior (não acontece sentado numa cadeira). Arquibancada tem que ser sexo sem camisinha e gozando dentro. Foda-se a segurança e a salubridade, eu vou ao estádio para viver algo que não encontro no shopping center.

 

“Interesses da sociedade”

Em outro trecho do filme vemos um vereador respondendo aos pedidos de paralisação do processo de concessão do Maracanã com o argumento de que “não pode deixar que o desejo de um grupo se sobreponha aos interesses da sociedade”. Não conheço ninguém que tenha medido tais interesses, mas fica claro durante o filme que se retirou parte da sociedade que estava feliz e tinha na Geral algo sagrado para dá-lo a outra parte que raramente o frequenta (só quando o time está bem e o cinema está mal) e ainda o faz de maneira profana, tudo para que um grupo com interesses puramente comerciais ganhe dinheiro (grupo este que poderia muito bem empreender em outra área).

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