Coitados

 

Não queria falar de política aqui nesse espaço concedido a mim pelos sempre queridos da Central3. Nem tenho expertise para isso. Estudei um pouco do assunto nas minhas graduações, já escrevi sobre o tema em algumas matérias freelancer ou quando ainda era repórter de rádio, mas estou longe de ser um especialista. Também evitarei falar de futebol por aqui, boa parte da minha vida profissional está em cima da paixão nacional, e assim como em política, me considero apenas um pitaqueiro.

Pensei em usar esse espaço pra falar sobre amenidades e coisas não tão interessantes, sempre com uma dose de humor e sarcasmo, tipo os astros do zodíaco ou as estrelas do reggae (esperam que tenham entendido as referências). Mas o período que Pindorama passa pede para nos posicionarmos. O muro está estreito e nem o melhor equilibrista, do maior circo russo, consegue ficar em cima dele. É preciso escolher de que lado vai querer ficar.

Pego agora meu diploma de cientista político de mesa de bar e vou encher vocês com mais um textão. Pelo menos esse não está no Facebook. Este é um dos meus privilégios. Para quem ainda não sabe sou negro e nordestino, duas categorias que segundo o capitão peidão precisam acabar com o coitadismo. Também estão dentro dessa esfera, segundo o fujão dos debates, mulheres e gays. A junção da geração millenium com os neo-nazifacistas chamam a luta por direito e igualdade de mimimi e votam em peso na besta-quadrada militar.

Vejamos: a chance de um jovem negro morrer violentamente no Braza é duas vezes e meia maior do que um jovem branco. Coitados dos brancos. Em toda eleição nacional a região Nordeste sofre com ataques xenófobos e críticas caricatas. Coitados dos sulistas e sudestinos. Pindora é o país que mais mata LGBTs no mundo, um morre violentamente a cada 19 horas apenas por ser quem é. Coitado do homem branco hétero cis. Esse safari travestido de país é o 5º no mundo em número de feminicídios. Olha o homem branco hétero cis sendo coitado mais uma vez.

Onde se enxerga vitimismo e coitadismo realmente há vítimas, e os números do parágrafo acima mostram bem isso. Como um jovem branco classe média vai justificar aos pais que investiram milhares de reais na educação particular do filho, que uma menina vinda da periferia de lá de São João de Longe e entrou na universidade pública graças ao sistema de cotas tem um desempenho acadêmico melhor que o dele? O Fabinho e a Jéssica, do filme Que Horas Ela Volta se tornaram ao mesmo tempo uma realidade para quem sempre foi coadjuvante numa centralizada do Sul/Sudeste e um pesadelo para classe média quatrocentona dessas mesmas regiões. Para eles é hora de acabar com esses privilégios de igualdade, e há um candidato truculento prometendo fazer tudo isso. Como essa gente não vai amá-lo?

Mas quem promoveu tudo isso, acho que já tinha feito o necessário e se acomodou. Tinha e tem muito mais a ser feito por esse povo que é desfavorecido desde que o primeiro canalha português pisou nessas terras em 1500. É incompreensível que esquerda-classe-média-branca-vamos-abraçar-as-árvores ainda queira dar as cartas do jogo das minorias sem ouví-las. Ou se ouve e se faz de acordo com que as periferias e o rincões, que são a maioria, querem ou teremos que conviver com o retrocesso conservador por muito tempo ainda. 2022 ou será uma eternidade ou nunca chegará. Quem tiver fé que acredite na virada. Daqui, continuo sendo esse cético que acredita em milagre e com o mesmo pensamento de Mano Brown, uma das cabeças mais lúcidas da nossa sociedade, dá pra apoiar e criticar ao mesmo tempo. Há um interesse muito maior em jogo.

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