Conexão Sudaca #210 Racismo na Argentina

Recebemos o antropólogo cordobês Nicolás Cabrera (Observatório Social do Futebol/UERJ) para tratarmos do episódio de racismo por parte dos jogadores da seleção da Argentina e dos desafios do país vizinho em relação à esta pauta!

Na segunda metade do programa, nossos muchachos fazem a prévia dos confrontos das oitavas-de-final das Copas Libertadores e Sul-Americana…

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Xadrez Verbal #387 Atentado a Trump

Trump sofreu um atentado em um ato de campanha e veremos se a verdade está lá fora mesmo, além de outras notícias internas dos EUA.

Também observamos o movimentos das peças no sempre complicado tabuleiro do Oriente Médio, com destaque para o anúncio de uma reunião de grupos políticos palestinos na China.

No mais, repercutimos a potencial crise entre Argentina e França devido ao racismo e xenofobia dos jogadores albicelestes durante os festejos pelo bicampeonato da Copa América.

Por fim, tivemos a estreia da professora Ana Paula Salviatti, como substituta temporária do Gambito da Dama, fazendo um retrospecto da economia estadunidense a partir do pós-guerra.

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“É o sistema”

O dia estava bem mais ou menos. Monotonia cotidiana. Mensagens filosóficas, sentimentais e os memes do dia no Whatsapp. Um amigo do trabalho que pede uma ajuda que não vai atrapalhar muito, o chefe que tem lembra de uns prazos e vamos que vamos no meio de uma semana que mistura calor, frio e umas boas risadas. Contratempo nenhum até então. Mas o ventou virou.

Durante o almoço veio a lembrança das contas para pagar e voltou a mente a recordação de ser um homem de Neanderthal para assuntos bancários. Não uso a internet e nem aplicativos para transações financeiras. Sou daquelas pessoas que esfregam a barriga no caixa eletrônico, espera aquele fiozinho de luz vermelha aparecer e coloca o código de barras embaixo. Nada contra a tecnologia, é só mais um método de sair da inércia em frente ao computador e fazer uma caminhada após a refeição do meio do dia. Médicos recomendam.

A conta do condomínio estava um dia atrasada, coisa que acontece com que recebe o salário integral no dia 21 de cada mês. Ah data miserável! Pois bem, lá vai eu puxar fichinha e esperar para ser atendido na boca do caixa por um atendente. Acredito que exista jovens com menos de 20 anos que nunca fizeram essa ação na vida. Mas até chegar lá, há de ser passar pela bendita porta giratória. Muito mais do que ser uma divisória entre a parte de dentro e de fora de uma agência bancária, esse rito de passagem é acontecimento social e antropológico. Ainda mais se você for negro.

Lá vou eu, lá vou eu, sem festa nenhuma na avenida. Aquela semiconcha de acrílico que fica presa na porta de vidro blindado recebeu minha carteira e meu celular. O artefato de guardar dinheiro só tinha papel e plástico. Travou. O guarda negro de roupas pretas por trás da superfície transparente mandou eu voltar até a linha amarela. Obedeci o jogo de cores. Tentei a operação novamente e… travou de novo.

O senhor do outro lado encostou inocentemente na arma que estava na cintura e pediu para que eu mostrasse os bolsos. Puxei o tecido da parte interna da calça e só tinha contas a pagar. Retornei a linha amarela mais uma vez e…Travou. Na quarta tentativa ocorreu um passe de mágica e a porta da esperança que dá voltas no próprio eixo destravou. Sorriso nenhum transparecia na minha face, mas o segurança me mostrou os dentes e soltou: “Não tenho culpa, é o sistema”.

Resposta mais sincera e simbólica não poderia haver. Sim, é esse sistema que propaga o medo aos quatro ventos. Um negro de calças largas, em um bairro nobre como Itaim Bibi, querendo adentrar uma agência bancária sozinho no horário pós-almoço é um perigo real para sociedade. Vocês não acham? O bairro citado nesse parágrafo merece uma crônica futura só sobre ele, mas deixo aqui um spoiler: me acho o centro do universo por ser único ser de dreads na Joaquim Floriano ao meio dia. É momento que todos os olhos quem me veem nessa rua fazem questão de me encarar com espanto. Estamos em agosto de 2018. Pasmem.

Mas voltando a história da porta que roda, é o sistema, segurança-irmão-de-cor, que nos coloca nessas posições. Você aí do outro lado na missão de segunda a sexta parar sujeitos feitos eu que querem adentrar seu local terceirizado de trabalho. Você acredita que não tem culpa, e talvez nem tenha mesmo. Quem sabe não seja melhor a gente jogar a culpa em que inventou a tal giratória. Ou no miserável que mandou instalá-las.

É o sistema, esse monstro invisível que nos esmaga diariamente e que tenta tirar o que nos resta de dignidade. As pessoas que souberam do ocorrido vieram se solidarizar a mim e até perguntaram se eu estava com raiva. Sinceramente o sentimento é outro e nem sei se consigo nominá-lo. Mas não tenho dúvidas que ele não é bom e está contra tudo isso que chamam de sistema.

Resposta da instituição bancária depois que relatei o fato nas redes sociais

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Fronteiras Invisíveis do Futebol #56 – 13 de Maio

Repassamos as origens, particularidades e desdobramentos da escravidão negra no território que hoje é o Brasil. Para tal, Matias Pinto e Filipe Figueiredo receberam Luciano Jorge de Jesus, professor de educação física da rede estadual de Minas Gerais, e Davi “Agathocles” Correia, professor de sociologia da rede estadual de São Paulo.

Também tratamos do racismo no esporte e como o futebol colaborou para combater, ou para manter, o pensamento racista. Fechamos com a lenta inserção política do negro no Brasil republicano, a atual demografia brasileira e tentamos desmistifcar algumas comparações que são feitas atualmente.

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Conexão Sudaca #158 Observatório do Racismo

Estabelecemos contato com Marcelo Carvalho, diretor-executivo do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, que desde 2014 faz um trabalho de fôlego no combate ao preconceito dentro e fora das canchas.

Também recordamos a partida de ida entre Racing e Cruzeiro, pela final da Supercopa de 1988, no mesmo palco da última vitória de La Academia sobre a Raposa, na abertura da Fase de Grupos.

No mais, voltamos com o quadro Rádio Bogotá para debater as falsas polêmicas e caneladas da imprensa brasileira e argentina, bem como apresentamos a origem da melodia do hit del verano contra o presidente Mauricio Macri.

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Não deixem que a CBF combata o racismo

Texto publicado após o episódio com o Tinga no Peru,  mas que continua atual

Todo texto que propõe raciocínios fora do padrão “Racismo é a pior coisa do mundo –> órgãos responsáveis pelo futebol tem que agir –> toda punição é válida” precisa de um aviso para ser lido. Aqui vai o meu:

O racismo é detestável, inaceitável e me causa profunda tristeza e vergonha como membro da sociedade e animal (ser humano) que o pratica, mas eu não acho que a solução passe por sanções da CBF, CONMEBOL, FIFA, etc.

Aviso dado, gostaria de provocar a discussão de qual é o problema do racismo. “Discriminar alguém por causa da cor da pele” é o ato que nos causa náusea, mas o problema está nas consequências dele: o alvo do insulto se sentir mal e envergonhado por ter nascido negro e aqueles à sua volta esperarem (no sentido de “antecipar” e não necessariamente de “gostar”) que ele se sinta assim. O fato de alguém acreditar que alguma “raça” seja inferior, externalizar isso e tentar, assim, diminuir outro ser humano nos deixa putos, arrasados, deprimidos, etc.

 

A partir disso, eu acredito que o problema do racismo só estará resolvido quando chamar alguém de “macaco” for tão ofensivo quanto chamar um branco de “leitoso”, alguém que usa óculos de “quatro-olhos”, etc. Quando for algo infantil, bobo, sem qualquer sentido. Quando uma pessoa chamar o outro de macaco com o intuito de ofender e todos ao redor pensarem “quantos anos tem essa pessoa?”, quando sentirem pena do insultor e não do insultado, quando rirem ao saber de uma situação dessas, poderemos dizer que vivemos num mundo sem racismo.

 

É claro que enquanto não chegamos lá temos que agir contra casos de racismo, como os que vem acontecendo este ano no futebol brasileiro/sulamericano. Mas vejo dois motivos para procurarmos soluções mais inteligentes do que multar e tirar mandos e pontos das equipes cujas torcidas proferirem insultos racistas.

 

O primeiro é que cria-se um tabu que somado ao descrédito dos órgãos dirigentes corre o risco de ser visto como algo divertido, valente e corajoso de ser quebrado. Ao invés de se discutir (a falta de) fundamentos daquela ação e porque aquilo é errado, proibe-se e pune-se, criando mais raiva que consciência. Como a CBF não é vista como representante da sociedade (e muito menos expressão desta), também não se passa o recado de que todos acham aquilo errado, mas sim de que não pode e pronto. Assim, deixamos de nos aproximar daquele mundo onde acreditar no racismo é visto como atraso mental e passamos a torcer para que ninguém mais toque no assunto para não termos que lidar com ele.

 

O segundo é que cria-se um precedente que dificilmente encontrará argumentos racionais e objetivos para não ser aplicado a outros casos. É muito fácil para um grupo anti-homofobia pleitear que determinado clube seja punido porque sua torcida chamou um jogador adversário de “viado”, o que pode até ser legitimo mas não é consenso como o racismo (e dizer que isso é da cultura do futebol ou que a menos que o jogador seja homossexual assumido não tem problema não são argumentos convincentes). Um grupo de defesa dos valores gaúchos também poderia equiparar gritos de “gaúcho viado” a ofensas contra nordestinos (que na nossa cabeça são completamente diferentes, mas dificilmente o seriam perante a lei) e pedir punições a rodo. O raciocínio se estende a praticamente qualquer grito que se ouça num estádio, seja no Brasil ou na Europa, e no fundo só mostra como ao tentarmos objetivar nossa moral criamos consequências que vão contra ela.*

 

Como combater o racismo sem criar um tabu nem criar um monstro que se vire contra o futebol depois? A resposta talvez pareça utópica, mas desacreditá-la também é desacreditar no mundo em que pretensamente cremos e queremos salvar: aqueles que acham que uma prática é inaceitável devem demonstrar isso e juntos fazer com que ela seja inviável. Um jogador vítima de ofensas racistas deve ter o apoio de todas as torcidas para que fique claro que chamar alguém de macaco não o faz fraquejar, mas sim fortalecer, um time cuja torcida agiu de maneira preconceituosa tem que ouvir “racista! racista! time de racista!” quando jogar fora de casa. Uma torcida pode ir toda pintada de negro em apoio a seus jogadores, jogadores podem parar partidas caso gritos racistas sejam ouvidos, clubes podem adotar diversas ações para combater o problema e jornalistas podem usar seu espaço para demonstrar que ser racista no final das contas é extremamente bobo. Algumas dessas instâncias já são usadas, mas todas tem que entrar em ação juntas e a cada caso aumentarem de intensidade, para que a sociedade demonstre que aquilo não é aceitável, sem usar órgãos que não tem mais credibilidade nem pra fazer um calendário.

 

Desse modo, o racista entenderá que o mundo está em desacordo com ele e não que a CBF quer proibí-lo de se expressar (e a CBF proíbe tantas coisas que são legítimas e deveriam ser incentivadas que ficaria difícil distinguir os casos) e estará mais disposto a ouvir e mudar de atitude. E se a sociedade futebolista achasse errado chamar os adversários de viado provavelmente tal atitude se tornaria inaceitável, enquanto “carioca vagabundo” seria aceito caso essa fosse a opinião geral. É uma ideia com raízes anarquistas que num mundo cada vez mais ligado ao que é oficial (em oposição ao que é real e espontâneo) talvez soe estranha, mas no final é só uma retomada a como as coisas funcionariam se os órgãos oficiais não tentassem emular tal processo.

 

 

* acredito que nossa moral é subjetiva, mas procuramos critérios objetivos para justificá-la. Como citado, aceitamos xingamentos a gaúchos, mas não a nordestinos. Poderia se argumentar que esses são minoria e aqueles não, mas aceitamos xingamentos homofóbicos num estádio. Um argumento possível é o de que aquilo faz parte daquele ambiente, mas isso abriria precedente para peruanos dizerem que por lá chamar de macaco faz parte do ambiente futebol. Uma saída seria dizer que isso é tão ofensivo que não se aceita que algo assim exista (o que já seria um pouco autoritário, mas tudo bem), mas é público que os rivais do Liverpool chamam seus torcedores de “favelados que comem ratos” e ninguém se ofende a esse ponto com isso. Enfim, quanto mais tentamos definir regras objetivas mais nos afundamos em argumentos ad hoc que dificilmente param em pé. Outro exemplo,  ninguém é a favor do estupro, mas muitos achavam normal gritar para Silvia Regina: “juíza vagabunda, eu vou comer sua bunda e sua buceta, ê, ê, ê, ê, ê, ê, vou chupar suas teta”.

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