Por André Vidiz
Certa vez li um texto que descrevia a situação de Israel e Palestina como uma guerra, mas não entre israelenses e palestinos e sim entre pacifistas e belicistas. Isso porque para cada grupo é mais importante que o cenário (guerra ou paz) que ele prefere se realize do que propriamente quem estará em vantagem nele. Deste modo, o principal aliado dos habitantes de Israel que defendiam vias pacíficas de convivência eram os que faziam o mesmo no lado palestino, assim como, paradoxalmente, o aliado do belicista israelense é o fanático palestino que planeja um ataque terrorista no meio de Tel Aviv.
Essa visão de que a disputa velada pelo estabelecimento de um paradigma precede a disputa declarada dentro do paradigma (no caso a guerra) fornece uma pequena amostra da imensa complexidade do cenário da região e relativiza um pouco o estereótipo (que também está lá!) de que trata-se de “dois bárbaros loucos que não ouvem ninguém e só querem brigar até se auto-destruírem”. Além disso, fornece um paralelo interessante para a situação atual do futebol brasileiro.
Quando liguei a TV para assistir Corinthians x Internacional o jogo já parecia decidido, mas dessa vez meus olhos procuravam aquilo que estava fora do campo. Depois de tanta especulação sobre qual seria o público corintiano em seu novo estádio, a política de preços de ingressos do clube e o resultado financeiro do empreendimento eu estava curioso para assistir o primeiro ato desta batalha.
Costumo não rivalizar com torcedores de outros times por causa de patrocínio, faturamento ou share de mídia do meu time contra o deles, sempre achei esse tipo de discussão meio sem sentido, mas admito que exista uma competição por público nas arquibancadas e pela atitude deste. Como sou sãopaulino comecei procurando por torcedores moderninhos no estádio, analisando cada gesto daqueles enquadrados pelas câmeras de TV e me perguntando “isso é um torcedor ou trata-se de um modinha?”, esperando concluir a 2a opção.
No entanto, quando começou a me parecer crível que o público em Itaquera será de fato diferente daquele que se via no Pacaembu comecei a temer aquilo pelo qual torcia até então. Me ocorreu que se isso ocorrer a opinião pública cobrará que o São Paulo tome o mesmo caminho, um ambiente de estádio não esterilizado será considerado ultrapassado e todos tenderemos para este novo padrão. Colocando de outra maneira: se o futebol acabar por lá, acaba por aqui também. Por outro lado, se conseguirmos manter torcidas de verdade nos estádios a disputa dentro de campo passa a ser o menos importante: até poderemos perder um título, mas no ano seguinte ganharemos outro e nessas idas e vindas continuaremos a fantasiar sobre como somos melhores e diferentes de nossos rivais.
Desde então, quando vejo um protesto de torcedores corintianos pedindo mais ingressos a preços normais não sinto mais inveja ou um impulso de questionar a autenticidade do ato: torço para que o movimento ganhe massa. Quando vejo um corintiano se gabando de como sua arena é chique não me vem mais aquele sorriso (mal) disfarçado de “era tudo que eu queria”: começo a me preocupar com a possibilidade dessa mentalidade dominar a discussão e nem mais ser contestada. Nunca pensei que esse dia fosse chegar, mas hoje torço para que o Corinthians se torne, de fato, o time do povo.