*Por Gil Luiz Mendes
Na sexta-feira subi a Rua Augusta e adentrei na casa lotérica que fica de esquinal com uma rua transversal de que não me recordo o nome agora. Fiz três apostas. Uma na Mega Sena, uma na Quina e outra na Lotofácil. Números aleatórios, feitos automaticamente pela máquina registradora que nem me dei ao trabalho de conferi ou decorá-los. A pretensão de ficar rico de uma hora para outra ainda me bate o peito, mas menos do que em épocas passadas.
Dois dias depois, já em Goiânia, me arrependi de ter feito apenas aqueles três jogos. Deveria ter feito o quarto apostando na famigerada Timemania e colocado o Goiás como clube do coração. Nunca apostei na loteria criada para diminuir as dívidas dos clubes brasileiros, menos por questões por morais, mas por achar a chance de ganho mínima e valor do prêmio baixo.
Se tivesse me atentado ao noticiário do futebol goiano antes de minha viagem, saberia que com um bilhete da Timemania em mãos teria direito a pagar meia entrada na final do principal campeonato estadual do Centro-Oeste. Sem problemas, fui disposto a pagar o valor inteiro para conhecer o lendário Serra Dourada, ainda mais em dia de decisão.
O apartamento onde estou hospedado fica a uns 700 metros do estádio e no caminho em vez de pagar R$ 2 numa posta que poderia ser feita na loteria, paguei R$ 5 na mão de um cambista. Sim, nos arredores do Serra Dourada motorista e outros tipos de torcedores eram abordados para comprar apostas feitas em lotéricas e não ingressos para diferentes setores do estádio.
No final das contas, acabei pagando R$ 25 reais, mesmo sendo R$ 40 um valor justo para um final de campeonato. E havia muito tempo que eu não sentia um clima tão bom de decisão. Estavam ali todos os ingredientes que eu jurava terem sumido e que, confesso a contra gosto, os estaduais alimentam.
Estádio dividido meio a meio para as duas torcidas, bandeirões, bandeira com haste de bambu, bandeirinhas com haste de plástico, cerveja com álcool nas arquibancadas, arquibancadas de concreto. Só lamentei ainda existir a geral e ela não ser ocupada por ninguém. Escolhi ficar na torcida do Goiás por motivos logísticos. Foi o primeiro portão que encontrei no estádio, o time tinha vencido o primeiro jogo por 3 a 0, e a torcida estava em maior número.
É estranho estar no meio de uma torcida ensandecida, prestes a conquistar o tricampeonato estadual em cima de um rival e você não ter nenhum sentimento para demonstrar. Nem bom, nem ruim. Ficar apenas a contemplar e fingir algo. Claro que soltava gritos e demonstrava emoção a cada lance mais perigoso, mas tinha que me manter mais serenos quando esses lances fosse favoráveis ao Vila Nova.
A rivalidade é grande, e mesmo o grito, a princípio infantil, de “um, dois, três, o Vila é freguês” quando soado incessantemente por uma massa de mais de 15 mil pessoas ganha uma força e um sentido maior. A torcida do Vila é valente. Mesmo com o revés da primeira partida compareceu em um bom número, completando as 27 mil pessoas naquela tarde de domingo.
Dentro de campo também tivemos uma final à moda antiga. Jogo aberto, catimba, confusão, juiz que hora apita demais, outra apita menos, expulsões e aquele 1 a 0 suficiente para ecoar buzinas por toda a cidade e calar gargantas ainda esperançosas. Eu, pernambucano radicado em terras paulistas, me rendi ao futebol goiano, que, pelo menos nas arquibancadas, parece manter as tradições.
Eu, aqui no meu canto, permaneço sem conseguir acertar na loteria. Passei longe das premiações, mas o último domingo me deu um certo ânimo de crer que esse tal de futebol de arquibancada ainda vai demorar para acabar.
*Gil Luiz Mendes é escritor, jornalista e apresenta o Baião de Dois, na Central3.