O diabo mora no Whatsapp

 

Não tem fogo, nem calor. Nem pequenos capetinhas correndo de um lado para o outro com tridentes na mão. O cramunhão não está lá fervendo seu grande caldeirão em labaredas esperando para cozinhar todos os pecadores decaídos desta terra, ou aqueles que não passaram no julgo do purgatório e tiveram seu acesso ao Paraíso negado por Pedro e suas chaves.

Você não caiu no inferno atual por males pregressos. Caiu nessa arapuca de Lúcifer por vontade própria ou influenciado por alguém que na melhor das intenções te convenceu a entrar nesse caminho quase sem volta. E sabemos qual o lugar onde não faltam boas intenções, segundo o ditado popular. Foi prometido como algo lindo que facilitaria muito a interação e seria um ótimo espaço de convivência, mas era mentira.

O diabo, pai da mentira, como dizem os cristãos, em sua versão high tech 4G, prefere chamar essas inverdades de fake news. Lá em Candeias, a minha amada terra, a gente costuma chamar isso de pala de butico ou de ocado chilenol. Dizem que em outras partes de Pindorama isso também é denominado como caô. Independentemente de como se chama, a verdade é que a verdade está cada vez mais rara.

O habitat preferido desse tipo de embuste é o inferno do Whatsapp. Lá as mentiras nascem, crescem, se reproduzem e não morrem. Estamos no auge da ladainha furada por conta das eleições. Tem de tudo. De Jesus Cristo enrabando Miley Cyrus a Ferrari amarela. Quem cria é maldoso. Quem compartilha é inocente ou cretino (difícil distinguir, ao certo, tamanha ausência de raciocínio crítico) e quem acredita, no bom latim, é burro mesmo.

Já falei por aqui há algumas semanas que é difícil acreditar que pessoas que tiveram a mesma formação que eu acreditem em alguns absurdos ditos no aplicativo do balãozinho verde. E nem sempre é política. Muitas vezes é com boa intenção, aquele sentimento que está cheio no inferno e no Whatsapp.

Vejam vocês, enquanto escrevo esse texto soou o barulhinho de uma nova mensagem. Naquele mesmo grupo do colégio foi compartilhada a notícia de uma ação do Outubro Rosa com mamografias gratuitas sendo oferecidas na Praça da República. O detalhe é que essa mensagem foi passada em um grupo onde as pessoas majoritariamente moram em Recife e essa campanha está sendo realizada em São Paulo.

Em um tempo que todo mundo é produtor de conteúdo, por que não ter outra característica advinda do jornalismo e começar a apurar de onde vem as informações? Mete-se o dedo no Google pra quase tudo. Custa nada parar meio minuto e verificar de onde vem aquela notícia em forma de brisa antes de compartilhá-la como corrente marítima.

Hoje a Folha de S. Paulo trouxe na manchete a história da indústria da mentira. Mas não é aquela mentirinha besta que todo mundo, em algum momento, usa como artifício de defesa. Neste caso é para atacar de forma muito bem orquestrada e derramando um mundaréu de desinformações para manchar reputações. Sem dourar a pílula, o nome disso é covardia regada a bastante dinheiro para beneficiar a campanha do capitão peidão.

Nos meus fones de ouvidos, durante essa semana, alguém no rádio avisou que as discussões políticas estão acabando com os grupos de família, faculdade, escola e trabalho que existem no Whatsapp. A moça da voz doce talvez nem faça ideia, mas ela me deu a melhor notícia deste 2018 deslavado e mal resolvido.

Posts Relacionados

Amigos mudam

 

 

Há quem goste. Confesso que já fui até meio viciado nesse negócio chamado nostalgia, mas nãos essas de colecionar e acumular coisa velha, ou antiga – como preferem chamar os apegados. Meu museu era só de memórias mesmo. Ainda sofro um pouco disso. Minha Candeias que o diga. Não há um mero dia que não me lembre do odor de sargaço e das ruas sem asfalto. Chega dói.

Matava essa miserável chamada saudade, que só serve morta, com os velhos amigos de bairro e escola. Mas na minha memória toda a rapaziada ainda era a mesma. Magros, de roupas largas, tênis coloridos e nenhuma carta chegando em nossos nomes nas caixas de correios. Mas a realidade é mais inconveniente do que qualquer doce lembrança. Ao olhar no espelho, nem eu sou o mesmo, quem dirá aqueles com quem perdi o contato diário há mais de 20 anos.

A amada tecnologia apareceu por aí dia desses como quem não quer nada e resolveu diminuir distâncias. A falsa proximidade é um alento no começo, mas com o tempo, esse implacável, as coisas se mostram como realmente elas são. Não tem rede social no mundo que faça aproximar diferenças que foram formadas no meio dos hiatos. As pessoas mudam e nem sempre é para melhor.

O Whatsapp é o propagador de tudo que não presta nesses períodos que antecedem o pleito eleitoral deste ano. É por lá que a horda favorável ao capitão peidão propaga todos os tipos de mentira que atingem os cérebros menos questionadores. Eu, que me acredito cético, desacreditei ao ver proferido no grupo dos meus amigos de adolescência, no mesmo aplicativo de mensagens, os bordões tagarelados e sem visão crítica amplamente difundidos pela direita acéfala. Acreditem, até o famigerado “vai pra Cuba” foi propagado lá. Juro.

E ai que a dúvida bateu mais no peito mais do que na cabeça. Em que momento pessoas que tiveram a mesma formação que eu viraram essas criaturas que aplaudem atitudes facistas e adoram adoradores de torturadores? Viemos do mesmo lugar e tivemos ensinamentos na mesma sala de aula. Quantas fitas k7 do Racionais MC’s, do Devotos do Ódio, DFC, Chico Science & Nação Zumbi, Rage Against The Machine, Pink Floyd trocamos entre nós e mesmo assim nada do que era dito nas letras dessas bandas ficou para essas pessoas.

Detalhe que nenhuma delas virou um mega empresário pró-capitalismo ou um grande acadêmico liberal. Se fossem, talvez não repetissem tantos chavões. Não. São meras pessoas da classe média, de pensamento mediano e que creem que pensamento crítico é chamar a Rede Globo de comunista ou xingar qualquer de esquerda e blasfemar tudo que seja vermelho. Não me espantaria que cortassem o tomate de sua dieta simplesmente por conta da cor do vegetal.

Certas coisas e pessoas precisam ser deixadas para trás. Para nossa saúde mental. É necessário. Tempo suficiente já foi passado longe delas e até hoje a vida permaneceu a mesma. Termino esse texto com um trecho da música “Canção Para Amigos”, do Dead Fish, mais uma dessas bandas que ouvíamos juntos enquanto nos empurrávamos em alguma roda de pogo ao 14 anos de idade. Duvido que ainda hoje eles entendam o que essa música queria dizer. Talvez nem entendam essa crônica.

“Acho que crescemos demais
Aconteceu o que temíamos
Não vamos mais nos entender
Se foi a natureza ou o sistema, só o tempo, dirá”.

Posts Relacionados