Hoje no Brasil Tite é o principal treinador, com umas duas ou três piscinas de distância para o resto, que, pra abusar da figura de linguagem, morre afogada no meio de tanto dinheiro a troco – e bota troco nisso – de nada, ou quase nada. O campeão mundial pelo Corinthians conseguiu um poder quase hegemônico em todas as áreas de seu ofício.
Quem sabe lidar melhor com um grupo de futebol? Ele tem a linguagem, sabe manipular sentimentos em um vestiário, tirar pressão, injetar emoção, ele esbanja, conduz e mantém motivado um elenco como quem brinca com tartarugas, e faz mais: é justo em suas decisões.
Quem sabe lidar melhor com a imprensa cotidiana? Suas entrevistas coletivas são shows. Nem sempre interessantes, e isso é calculado. Ele joga com maestria o jogo midiático também. Oferece risos quando deseja, põe fogo no palheiro quando interessa, dá dicas, deixa reticências, desvia o foco, faz o que quer e fala sem precisar falar.
Quem tem melhor conhecimento tático de futebol? Tite está atualizado. Virou um cientista defensivo, um preenchedor de espaços, suas equipes às vezes irritam de tão exatas e econômicas, ele parece fazer uso da matemática aplicada ao futebol. Ninguém no país hoje parece mais antenado ao jogo que se joga como ele.
3×0 Tite?
Gol contra
Tite comentou final de Champions League pela ESPN Brasil. Só não sentou no sofá da Hebe porque não tem mais sofá nem Hebe. Até com o papagaio da Ana Maria Braga o Tite falou. O tal do ano sabático foi bem trabalhado pelo ex-volante: Corinthians, campeão, seleção, Copa, poder de escolha, inversão de oferta e demanda. Tite mostrou ao longo de 2014 um outro ítem de seu arcabouço profissional: auto-promoção.
O 4×0 a favor de Tite é o fato dele saber vender muito bem o próprio peixe. Alternando futebolês com auto-ajuda, frases impactantes sobre o comportamento humano, honra e o mais rasteiro dialeto de vestiário, um cara polido e inteligente mas também varzeano e calejado. De repente parece que o Tite virou o FHC do futebol. “Já perguntaram o que o tite pensa das eleições no Vasco?”; “Tite, o Paysandu não quer jogar no Mangueirão, o que você acha disso?”; “O Shaktar acerta comprando tantos brasileiros, Tite?”; “Ei, pessoal, o Nilton Santos morreu, alguém precisa entrevistar o Tite sobre isso”.
Esse quarto gol pode ser, na verdade, um gol contra, conforme a temporada de 2015 caminhar. Se o Timão de Tite mostrou competência na Libertadores e nos clássicos e parece mesmo ser forte candidato a repetir o sucesso de 2012, por outro lado já fez alguns jogos sonolentos e sofríveis, como o da última semana diante do Red Bull. Vale dizer que a temporada corinthiana já começou urgente, com decisões e partidas históricas, e isso desgasta, acelera a natureza.
Meu palpite é que o Corinthians ergue taças em 2015. Receio, contudo, que Tite se perca no próprio jogo hegemônico e acredite que o placar marca 4×0 para si e dá pra fazer olé e tirar o pé. O Corinthians, que sempre foi uma bomba relógio exposta, hoje é, politicamente, uma mina terrestre camuflada. E Tite não é o melhor gestor que conheço de relacionamento com cartolas – só por isso, por exemplo, não está na seleção.