Pela terceira vez, uma final da Libertadores seria disputada entre um filiado à Conmebol e um “forasteiro” da Concacaf, talvez o mais cotado para quebrar o tabu mexicano no grande certame da(s) América(s).
Com todo o aguante de sua torcida, o peso da camisa e o sangue no olho típico dessas bandas, o River havia de resolver a parada, fosse como fosse, sabedor de ser potência máxima de um país que habita muitos degraus acima dos aztecas.
Na frieza dos dados, havia quem achasse o Tigres melhor, com peças mais consagradas e de currículo mais imponente. Além disso, há a força da grana, cada vez mais o caminho mais curto para adivinhar-se um resultado. Nisso, o River não tinha como competir.
Mas no futebol algumas coisas ainda podem ser decididas por outros predicados, nuances, ares, sabores e cheiros pouco mensuráveis por letras e gráficos gelados.
Ainda mais quando se sente até a milhares de quilômetros toda uma corrente elétrica a ligar arquibancada e campo. E isso ainda decide muito jogo, especialmente nesta metade do hemisfério.
A visita, mais técnica, já tinha seu roteiro, bem treinado, confiante, elogiável. Mesmo a chuva não alterou tanto o quadro.
Já o dono da casa, haveria de viver da entrega coletiva, a ocupação correta e implacável de cada espaço. Pudera, além de não dispor do mesmo poderio econômico, perdeu diversos jogadores pelos mais diversos motivos, fase após fase, a ponto de estrear três jogadores diferentes entre semifinais e finais.
Para os olhos atentos, o desenrolar do jogo já ia transmitindo pequenos sinais, a indicar a que viera cada time e o que lhes reservava o destino.
Primeiro Gignac deixou Sóbis na cara do gol, mas a grama que fazia a bola sempre deslizar mais rápido parece tê-la amarrado na hora em que o gaúcho já apontava para o gol de Barovero. Logo depois, foi a vez do meia Damm vir entortando pela direita e deixar o francês de frente para o crime, mas um alface parece ter caído do céu justo em cima do pé goleador.
Ou seja, o velho slogan “jogamos como nunca…” já dera um sutil aviso de comparecimento.
O River não criava nada, não envolvia, muito menos arrematava. Mas não se tem notícia de alguma dividida perdida, uma antecipação falida.
Os 22 homens já olhavam o túnel do vestiário e o derradeiro descanso quando Vangioni veio pela esquerda, passou-a por entre as pernas de seu marcador e jogou no agrião; Alario veio com tudo e o zagueiro não: Gol. Do título, para quem já decodificara os tais sinais.
A diferença entre encarar o jogo como necessidade vital ou ares blasé é a mesma entre um zagueiro compassivo e um Maidana ou Funes Mori; entre um cuidadoso pé atrás e outro no olho do cabeceador se preciso fosse.
Já com Buenos Aires em transe e a plaqueta do título semi-talhada, começou o segundo tempo. Metro por metro, dividida por dividida, carrinho por carrinho, cabeceio por cabeceio. Disse ao meu velho, com quem assistia a tudo: “não consigo imaginar gol do Tigres nem daqui a três dias”.
Mesmo assim, o habilidoso Damm ainda aprontou mais uma, serviu perfeito cruzamento para Aquino. Este, certamente, pensou em todas as três ou quatro opções onde testar a pelota e por isso mesmo não efetivou nenhuma delas.
E, ao lado daquela tranquilidade de quem espera “rolar naturalmente”, vem a incapacidade de lidar com a negação.
Depois de mais uma bola roubada no apetite, Driussi invadiu a área, acompanhado por um Aquino que destruíra o Inter em Monterrey, mas não conseguia nem um rascunho daquilo em Nuñez. Aí veio a pernadinha de quem já não tinha paciência, a esperteza de quem vinha na temperatura máxima. Pênalti perfeitamente cavado por quem consegue passar 90 minutos sem piscar, e sem perder um espasmo do que faz e sente o oponente.
Daí pra frente, a certeza da volta aos tempos de glória; cobrança mais do que convicta de Sánchez e a terceira placa riverplatense começava a ser entalhada no mais belo e desejado dos troféus.
Funes Mori deu números finais à decisão, ao completar um escanteio com um testaço que passou por baixo das pernas de Gúzman. O zagueiro, muito contestado por conta do seu impopular irmão gêmeo, foi decisivo no Superclásico do último Torneo Final que garantiu o passaporte para a presente edição da Libertadores.
Do rebaixamento ao tricampeonato continental, sem esquecer dos outros dois torneios recém conquistados e com direito a eliminar o arquirrival. Um épico com todos os extras que se possa imaginar.
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Pelo Bem da Libertadores. Sempre!