*Por Gil Luiz Mendes
Desci no aeroporto de Belém por volta das 14h, do último sábado, já convencido que não conseguiria assistir à partida de volta das quartas de final da Copa do Nordeste, entre Santa Cruz e Itabaiana. Ainda procurei algum jogo na cidade, no Mangueirão ou na Curuzu, que pudesse atenuar a minha abstinência futebolística, mas nada. O Remo jogaria fora de casa na segunda e o Paysandu apenas na terça-feira.
Restou fazer o típico passeio turístico na Estação das Docas, às margens da Baia do Guajará, e afogar as minhas lamentações em tulipas de Amazon Beer (recomendo muito essa cerveja). Com os olhos quase baixos e a fala mole, era hora de ir para o hostel onde tinha feito a reserva. O Google Maps avisava que era perto e em menos de quinze minutos de caminhada, debaixo da eterna chuva da cidade, estaria em meu destino.
Faltava apenas 50 metros para chegar ao hostel quando da calçada fui fisgado pela imagem da TV. Coincidência é algo que não existe, mas acontece. O aparelho televisor estava ligado no Esporte Interativo e passava a partida que eu já dava como perdida; por mim e não pelo meu time. Olhei para minha esposa, que me segurava com a mão, e sem dizer uma palavra ela consentiu para que entrássemos naquele estabelecimento.
Era um típico pega-bêbado que acredito que seja igual em todo lugar do país. Paredes com azulejos encardidos de gordura e cartazes de propaganda de cerveja barata com mulheres em poses sensuais. Ao colocar meus pés ali dentro, o dono do bar viu a minha camisa do Santa Cruz e perguntou o que eu queria. A resposta era óbvia, mas eu disse que queria uma cerveja.
Sentamos numa mesa de canto, e uma garrafa de Brahma Fresh apareceu em poucos minutos. Tomando uma das piores cervejas do mundo, comecei a ver o jogo quando ele já estava nos 28 do primeiro tempo. Só podia ver; para ouvir, só tinha clássicos da disco music dos anos 70 em um volume ensurdecedor. Dona Summer cantava I Will Survive, e o Itabaiana cruzava bolas na área coral. Bee Gees embalavam o sábado à noite, e mais um chute torto do ataque do Santa.
Fim do primeiro tempo, pago a cerveja, vou até o hostel, dispenso a minha esposa daquele cenário nonsense, pego meu celular e o carregador e retorno ao boteco. Dessa vez o dono me oferece um sorriso simpático. Apenas eu estava interessado no que se passava na TV. A outra referência futebolística no bar era um senhor sentado com a camisa do Remo, com o pescoço para trás e a boca aberta de tão bêbado que estava.
Os demais clientes da birosca discutiam sobre a criação de uma associação de carimbozeiros e a aquisição de uma cajón elétrico que não precisaria de microfonação. A TV permanecia sem som e agora a Radio Rauland transmitia o programa Flash Brega, com a apresentação de Sandro Valle, que toca só o que há de melhor na música romântica paraense. Confesso que achei melhor do que a trilha do primeiro tempo.
Falta na entrada da área e Anderson Sales para cobrança. No alto-falante Adelino Nascimento canta a Secretária da Beira do Cais. Gol, bola na rede, o zagueiro corre para a torcida, eu sou o único no bar que grito, todos olham para mim, Adelino diz que a moça tenta ganhar a vida em câmera lenta e sou abraçado por desconhecidos.
Termina o jogo, termina a cerveja, o dono do bar diz que eu não preciso pagar a segunda garrafa e fico me perguntando se esse foi o momento mais aleatório que o Santa Cruz já me proporcionou.
*Gil Luiz Mendes é escritor, jornalista e comanda o Baião de Dois, na Central3
Adenirson Olivier disse:
Égua, que foda mano! Conseguiste passar perfeitamente no texto o cenário aqui de Belém ali pro centro numa tarde/noite chuvosa! Infelizmente não teve jogo no final semana, mas conheceu de alguma forma a tradição do futebol nela. Ah, e o remista bêbado representou a nação azulina auhhuaahu abraço!
Daniel Soares disse:
A esposa resignada consentindo entrar no bar: já aconteceu comigo, país afora, hehehe. Da última vez, saí aleatoriamente pelas ruas de Cabo Frio procurando um bar para assistir Flamengo x Atlético-MG, pelo Brasileiro do ano passado, às 11h de um domingo. Achei uma birosca na entrada de uma favelinha. Não havia mesa. Cadeira de plástico e cerveja no chão.