A minha primeira segunda-feira do ano, passadas as férias da virada, terminou ouvindo, diante dos olhos que já se fechavam involuntariamente, depoimentos do documentário Rubem Braga: Olho As Nuvens Vagabundas, filme que coloca pessoas próximas do escritor morto em 1990 para falar da vida pessoal e também dos textos do cronista. A certa altura, uma voz feminina diz, não vou recordar exatamente em quais palavras, que Braga era ótimo em conversar com o leitor e falar sobre a falta de assunto que, diz a mulher, é um ótimo assunto por sinal.
Lembrei de outro filme, Tarja Branca, esse tratando da infância e do brincante na formação pessoal das crianças, onde um entrevistado conta que gosta de deixar o filho sem fazer nada. ‘Papai, não tenho nada para fazer!’. Tudo bem, não faz nada, olha para o teto, pensa.
Pouco antes do filme do Rubem Braga, o José Trajano, na ESPN, recorria ao jornalista Gay Talese e seu clássico Frank Sinatra Has A Cold para tratar da pré-temporada do futebol brasileiro. No perfil do cantor norte-americano, o repórter não entrevistou o personagem principal, resfriado, mas escreveu uma das matérias mais conhecidas de toda a história. Em determinado momento do texto, Talese afirma que Sinatra gripado é como um Picasso sem tinta ou uma Ferrari sem gasolina. Para Trajano, esses finais de semana sem bola rolando no Brasil tornam-se o mesmo.
Não é fácil, de fato, escrever ou falar sobre futebol nesse latifúndio descampado chamado janeiro. Pior: até seria. Seria se bastasse recorrer às histórias, aos jogos antigos, às previsões de boteco, às comparações de arquibancada, falar um pouco de besteira, pois. A grande saturação, acredito, vem da doença da objetividade, da análise. Das pranchetas com botões que se movem. Dos escretes ideais que se desfazem com um par de ligações da China. Das escalações com parênteses e prováveis chegadas e saídas que especulam sobre a própria especulação, numa grande zona cinzenta do que realmente interessa, a relação daquilo tudo com o torcedor.
Eu juro que houve um tempo, deve ter uns 15 anos, em que não existia internet no celular, muito menos Twitter ou Facebook. No verão que a gente passava em Itanhaém, eu lia o Lance! de manhã, na ida para praia, e fazia questão de voltar antes do Globo Esporte. No final da tarde, ligava o rádio no Globo Esportivo para esperar o giro dos repórteres e ir anotando a confirmação do zagueiro do Cruzeiro que foi para o Flamengo, riscando o nome dele no vai e vem do jornal e comentando ali com meu pai, tios, amigos.
Assim eram as férias. Logo mais a bola ia rolar, aliás, tinha rolado até ali havia pouco, com as finais de Brasileiro e Mercosul cortando a sala no meio do Natal. Hoje, por diversas razões, acontecem duas coisas que se engolem: primeiro que a bola não para na televisão, é jogo de amigos, amistoso na Flórida, na China, sub-20, sub-17, máster, society – até no dia de folga da Copa do Mundo de 2014 a Sportv transmitiu um amistoso do Cruzeiro nos Estados Unidos (!!); segundo que as pessoas, dada a era da informação em tempo real, compartilham 24h por dia suas impressões sobre esse ou aquele jogador, essa ou aquela decisão, e entram em embates intermináveis – haja fôlego – para defender contratações que nem virão a ser confirmadas.
Um saco, disse o Trajano. Um domingo sem jogo para valer ou estádio para pisar é uma voz de Sinatra resfriado, concordo. Ainda que os jogos e os estádios não tenham sido mais o que poderiam ser. E que a televisão e os comentários de internet insistam em manter o futebol num lugar em que ele não precisaria estar. Está de férias, oras. E no ócio é bom olhar para o teto e pensar um pouco na vida também. Ou mesmo falar sobre a falta de assunto.