Por Felipe El Biglia de la Gente Dominguez
Madri nos convida para a primeira epopeia futebolística. São 19h de uma segunda feira ensolarada. Caminhos pelas ruas do bairro de Tetuan, reduto de imigrantes chineses, dominicanos e indianos. Desço pelas escadas da estação Estecho rumo a Vallecas. Confesso que parto com a ilusão de ver uma torcida diferente. A linha 1 do metrô liga Pinar de Chamartín a Valdecarros, passando por todo o centro histórico da cidade. Logo no caminho paramos na estação Atocha, marcada pelo ataque terrorista de Março de 2003, onde há um lindo memorial para as vítimas. Não há como ficar imune. Rayo Vallecano e Deportivo La Coruña se enfrentam pela terceira rodada de La Liga. Chegando a estação de Portazgo é possível observar uma grande comunhão entre as duas aficciones: “somos todos amigos. aqui só vi atritos com os ultras do Real Madrid, Real Betis e Valencia” diz um rayista já passado de álcool. Os bares da Avenida de La Albufera estão tomados; um punhado de torcedores desfrutam de uma boa caña – o chopp espanhol – acompanhado de tapas e outras iguarias. “No hay quien pueda, no hay quien pueda, con la gente marinera” ecoa da garganta dos torcedores do Depor, neste que é um tradicional cancioneiro da Galícia, região noroeste da Espanha.
Vallecas, bairro obrero da capital espanhola, tem no Rayito a sua fiel expressão. Os Bukaneros, desde o começo dos anos 90 a principal força das arquibancadas, distribuía panfletos para explicar uma medida radical, a ser tomada justamente naquela ocasião. “Diante das medidas repressoras que os torcedores e sócios do Fondo Wilfred Agbonavbare – a arquibancada popular do estádio – sofrem desde a temporada passada, os Bukaneros anunciam que se iniciará uma greve de incentivo dentro do estádio de forma indefinida. Assim, como a nossa renuncia a viajar a outros campos para animar o nosso time. Nossa finalidade, que é animar a La Franja, é impossibilitada e dinamitada por uma direção que se apega a uma interpretação e aplicação da lei que vai muito além de suas recomendações. Após o assassinato de Jimmy – torcedor do La Coruña, assassinado por membros da Frente Atlético em 2014 nas cercanias do Vicente Calderón – a LFP iniciou uma caça às bruxas que afeta a todos os torcedores e coletivos que vão em contra a seus ditados. Desde o nosso clube, diferentemente de outros, não se fez outra coisa senão seguir suas diretrizes, quando não, ultrapassar-las; proibindo nossos símbolos e elementos: bandeiras, bumbos, faixas, megafone e outros materiais. Isso causa um enorme prejuízo para o ambiente no estádio. Além disso existe uma enorme perseguição aos nossos integrantes, somada a proibição de entrada de nossas camisetas ou cachecóis com os dizeres dos Bukaneros ou lemas anti-racistas. Durante os últimos meses buscamos respostas do clube, que negou o dialogo e se escondeu na aplicação de uma lei bastante questionável. Esta atitude omissa da gestão do presidente Martín Presa, nos leva ao limite. O que fazemos quando nos proíbem uma faixa de denúncia social, e logo o clube se apropria imoralmente dessa luta? A finalidade dos Bukaneros é animar ao Rayo Vallecano, seguir-lhe até o final do mundo, envergar La Franja com o orgulho de uma criança que fala de seu pai. Eis que, chega um momento no qual temos que dizer basta. Com a atenção de todos rayistas, os membros dos Bukaneros esperam que entendam, respeitem e apoiem as razões que nos levaram a tomar esta dura decisão” Bukaneros 1992, contra o racismo, a repressão e o futebol negócio.
Clima pesado no setor popular do Estadio de Vallecas que homenageia o goleiro nigeriano Wilfred Agbonavbare. Willy defendeu a meta franjirroja em 177 ocasiões e veio a falecer em janeiro aos 48 anos, em decorrência de um câncer ósseo. Além do anuncio da greve, os Bukaneros armaram uma convocação para o protesto contra a família real espanhola, que será realizado no dia 27 de setembro em frente a Puerta del Sol, no centro de Madri. “Monarquia não é democracia, é ditadura e corrupção, arrecadando 7.778.040 euros anuais, sendo que a partir desse ano passará a abonar 8.028.650 euros. Felipe VI recebe com honras ao golpista egípcio Al-Sisi. Um povo com dignidade merece iniciar os processos constituintes que tragam igualdade, democracia e liberdade. Sem esquecer a relação dessa monarquia com o franquismo, chegando a ser Juan Carlos de Borbón cúmplice do ditador, em seus últimos fuzilamentos. Por isso convocamos a todos para saírem as ruas contra esse panorama e ao grito: Jaque al rey!!!”
Dentro de campo, a equipe dirigida por Paco Jémez buscava sua primeira vitória na temporada. O quadro de Vallecas arrancou com um empate sem gols em casa diante do Valencia, além de uma derrota por 3 a 0 em sua visita ao Celta de Vigo, enquanto o Deportivo La Coruña vinha de dois empates consecutivos. Logo nos primeiros minutos, os galegos abriram o marcador com gol de cabeça do meia Borges. O Rayo conseguiu o empate aos 27 minutos, em estocada do ponteiro Embarba, que bateu na saída do goleiro argentino Germán Lux. No lance seguinte os blanquiazules voltariam a estar em vantagem, após clamorosa falha da dupla de zaga do Rayo. Um jogo interessante, dinâmico e de razoável atributo técnico. Paco Jémez passara a semama reclamando do gramado, que dentro dos padrões brasileiros, parecia em bom estado. Os Bukaneros seguiam calados, emitindo apenas gritos contra a direção do clube “OLE OLE OLE OLE, PRESA VETE YA, PRESA VETE YA, PRESA VETE YA”.
No intervalo, os Riazor Blues, coletivo ultra do Depor, localizados no alto do estádio entonavam: “ole ole ole ole Rayo Rayo” devidamente aplaudido pelo público local, sendo que cerca de 90% dos assentos estavam ocupados. Na volta do intervalo, o La Coruña dominou ainda mais as ações anotando o terceiro com o centroavante Lucas, que não festejou devido ao seu passado rayista. Pra piorar o cenário, o meia Ebert foi expulso por reclamação. Mesmo assim, a torcida do Rayo aplaudiu o jogador, assim como ao zagueiro Amaya, cúmplice em dois gols dos visitantes.
Por fim, todos de volta aos bares, sem antes uma ovação aos jogadores mesmo após uma dura derrota em casa – contra um dos times que brigou na última temporada pela permanência. Fica a sensação de ter visto uma torcida realmente diferente, com postura crítica e muito sentimento pelo bairro e suas causas. Viva el Rayo, Viva Vallecas!
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Ouça o Som das Torcidas sobre o Rayo Vallecano